Quadrinhos Disney Renascem no Brasil!

Às vezes é preciso deixar uma ideia morrer para que essa mesma ideia consiga voltar, no futuro, mais forte do que antes. Pois é exatamente isso o que está acontecendo, neste momento, com os quadrinhos Disney no Brasil.

Uma das caprichadas edições mensais da Culturama

Para quem não costuma acompanhar, as revistas do Pato Donald, Tio Patinhas, Pateta & Cia. eram publicadas “desde sempre” pela Editora Abril. De fato, a primeira publicação impressa da própria Abril foi o número #1 de “O Pato Donald”, em 1950.

Infelizmente, a editora paulistana fez, a partir dos anos 1990, um processo de diversificação para outras mídias e segmentos editorais que, embora muito bem-sucedido no começo, acabou trazendo uma série de dificuldades financeiras nos anos 2000, que culminaram com a dissolução de várias frentes de negócios, inclusive com o fim da divisão de quadrinhos.

As últimas edições Disney da Abril saíram em julho de 2018. Desde então, a empresa foi comprada por um novo grupo controlador que está, de fato, trabalhando para recuperar algumas linhas e revitalizar títulos de revistas periódicas, como a Super Interessante, mas nada de HQs. Será que os leitores brasileiros não teriam mais novas revistas das criações de Walt Disney? Alguma empresa arriscaria com esses personagens aparentemente “micados” por aqui?

A última edição do Pato Donald pela Abril

Após muita especulação, especialmente em torno da gigante Panini Comics, no começo de 2019 o mercado foi informado que os gibis dos patos e dos ratos seriam retomados pela Culturama, uma jovem editora de livros infantis sediada no Rio Grande do Sul que já trabalhava, inclusive, com licenças da própria Disney.

Entre um misto de surpresa, esperança e ceticismo de boa parte dos órfãos da Abril, a Culturama lançou em março de 2019 cinco revistas especiais números zero, e a partir de abril as mensais números #1 propriamente ditas, todas em formatinho, com um bom cuidado gráfico e editorial: Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey, Pateta e Aventuras Disney, ao preço de R$ 6,00 cada. As combalidas Bancas de Jornal voltavam a ter esses produtos queridos por crianças, jovens e adultos.

Este é o sexto título mensal de linha da atualidade

Aos poucos, com um bom trabalho de curadoria, de histórias trazidas especialmente da Itália e da Dinamarca, com boas ações de marketing, pacotes de assinaturas e com a distribuição relativamente azeitada (na medida do possível para os padrões do Brasil), a Culturama passou a lançar edições especiais, como o Grande Almanaque Disney e uma sexta revista mensal, Histórias Curtas. Parecia que, de fato, os esforços de todos – inclusive da adesão dos fãs – estavam dando frutos.

Mas, faltavam ainda algumas coisas para comemorar. E não eram simples.

A primeira delas dizia respeito a uma linha especial de títulos. Explicando: nos seus últimos anos de atividade, a Abril investiu pesadamente em edições “para colecionador” – séries e especiais em capa dura, que traziam histórias ou fases clássicas pelas mãos de grandes artistas, com cores restauradas, em formatos maiores e recheados de extras!

Edição luxuosa que traz compilada a enorme e complexa história do Tio Patinhas por Don Rosa. Um clássico!

Foi um prato cheio para os leitores das antigas, que finalmente podiam ter em mãos todas as histórias produzidas por Carl Barks, Don Rosa, Floyd Gottfredson, dentre outros, e também abriu portas para grupos diversificados de consumidores, que liam Marvel, Vertigo e Bonelli, por exemplo.

Porém, várias dessas belíssimas séries ficaram incompletas, vítimas do fechamento súbito da divisão de quadrinhos da Abril.

Como a gaúcha Culturama não demonstrava interesse em investir nesse nicho, concentrando seus esforços nas mensais e especiais para as bancas e outros canais de varejo, muita gente já tinha jogado a toalha e desistido de ver tais coleções completas.

Uma das séries capa dura retomadas pela Panini

Até que, no começo de 2020, a própria Editora Panini – que, vale frisar, representa as licenças Disney mundo afora – finalmente decidiu investir nesse material, dando sequência aos volumes de onde a Abril tinha parado, mantendo os mesmos padrões gráficos e até lançando novas séries de clássicos, ou seja, republicações em geral.

Aparentemente, essa segunda frente de investimentos em HQs Disney deu uma revigorada na marca e atraiu novos grupos de consumidores.

É possível constatar isso porque, apesar da crise econômica que o país já atravessava, intensificada gravemente pela pandemia, tanto os lançamentos de novas histórias em quadrinhos Disney trazidas regularmente pela Culturama, como os volumes de luxo de republicações da Panini continuam saindo em grandes quantidades.

A própria editora gaúcha revelou que, desde o início dos trabalhos, foram vendidas 1.300.000 (um milhão e trezentas mil) revistas em quadrinhos da marca, um número impressionante!

Certamente, os quadrinhos Disney divididos pela primeira vez entre duas empresas concorrentes podem resultar em ganhos para os leitores – além de diluir os investimentos e riscos do negócio em si.

Série italiana pela primeira vez no Brasil em uma das mais caras edições Disney já publicadas aqui: R$ 99,00!

É possível observar também que a comunidade de leitores hardcore de quadrinhos em geral, que mantém uma ampla publicação de postagens e vídeos nas redes sociais, parece que está dando mais atenção aos títulos desses personagens desde o seu desaparecimento, em 2018. No momento, há uma enorme diversidade de publicações, talvez igual ou superior ao dos últimos anos da Abril, o que não é pouco.

A segunda coisa que faltava para os leitores comemorarem veio em forma de Live promovida pela Culturama no dia 29.07.20 e é, sem dúvida, uma notícia espetacular para o mercado editorial como um todo.

Zé Carioca, um dos mais queridos personagens do panteão Disney, que estava na geladeira há vários anos, vai ter novas histórias e, o melhor, criadas e produzidas no Brasil!

Capa de Aventuras Disney com a primeira HQ produzida pela Culturama, no traço de Moacir Rodrigues

Isso mesmo: roteiristas, desenhistas, coloristas, letristas, revisores, editores e gráficos brasileiros serão os responsáveis pelas suas novas HQs.

A primeira história do Zé sairá em setembro/20 na revista mensal Aventuras Disney, e ao menos outras três estão em produção, sendo esse conjunto a ponta de lança de um projeto mais audacioso: reconstruir os famosos “Estúdios Disney Brasil” originalmente criados pela Editora Abril que, durante as décadas de 1970 a 1990, lançou milhares de páginas memoráveis de quadrinhos, que marcaram uma geração de brasileiros (eu, inclusive) e publicados mundo afora.

Nos anos 80 os quadrinhos Disney com o Selo (B) de Brasil estampados na primeira página eram, para mim, os mais divertidos, criativos, com os personagens mais bem desenvolvidos e desenhados… enfim, eram os melhores e ponto final!

Peninha, Biquinho, A Patada, Zé Carioca, Morcego Vermelho, Donald, Pateta, Margarida, Urtigão, Turma da Pata Lee e muitos outros brilhavam sob a batuta dos brasileiros.

Capa da primeira edição do Urtigão, feito no Brasil

Claro, portanto, que pessoalmente fico muito, muito feliz pela notícia, porque (re)abre oportunidades para artistas e outros profissionais da nossa pequena indústria e que podem, novamente, fazer um material de ótima qualidade, de grande ressonância com o leitor nacional.

É isso, boas novas em meio ao caos! Construção depois da destruição! Então porque não sonhar, agora, com a retomada plena dos Estúdios Disney (B) e uma nova “era dourada” de histórias em quadrinhos brasileiras?

Leituras para a Quarentena #01: Bone.

Olá pessoal, espero que todos estejam bem!

Conforme prometido, vamos começar uma série de indicações de Histórias em Quadrinhos especialmente pensadas para quem está com um tempinho a mais sobrando, por conta da quarentena imposta por esta terrível crise sanitária mundial.

A célebre “corrida de vacas” é o destaque da capa do Box da edição brasileira.

Estamos atravessando um período conturbado, tenso, atípico e, talvez mais angustiante, um momento em que ainda não é possível prever até quando irá durar e que, inegavelmente, trará mudanças irreversíveis em diversas áreas das nossas vidas, inclusive transformações comportamentais e de convivência no trabalho, na escola, com a saúde, com o tempo, com o consumo, etc.

Claro que muitos precisam sair para trabalhar, e alguns estão trabalhando mais do que nunca – e não estou me referindo apenas aos profissionais de saúde ou de outras áreas essenciais, como segurança, energia, internet – porque mesmo para quem está em Home-Office, o volume de atividades pode ser intenso, restringindo o tempo para leitura e outras formas de lazer e entretenimento.

Por conta de tudo isso, acho mais recomendável indicar leituras com um caráter otimista – ou melhor, mais para o leve e menos para o angustiante -, e que em geral traga uma perspectiva de esperança em dias melhores que, temos certeza, virão!

Bone, de Jeff Smith, é uma obra que transborda esperança e ainda traz muitas doses de aventura e comédia, embaladas em uma fantasia medieval, claramente inspirada em Senhor dos Anéis, mas com personagens muito carismáticos, únicos, que vão fazer o leitor sentir saudades depois de concluída porque sim – ela tem um começo, meio e fim definitivos. Não haverá Parte 2 ou continuação. É, vejam só, uma obra finita! – coisa rara na Cultura Pop.

Uma das terríveis Ratazanas carnívoras

Jeff Smith publicou sua bela obra-prima de maneira esparsa nos anos 90 e só conseguiu concluir no começo da década de 2000 – exatamente na contramão do que mais se consumia na época, ao menos no mercado norte-americano.

Enquanto os super-heróis vendiam milhões de exemplares em um mercado crescentemente especulativo, com suas múltiplas edições #01 e capas metálicas, com cópias abundantes e sem graça do Wolverine, Justiceiro e X-Men na Image e outras editoras nascentes, e as próprias Marvel e DC transformavam seus ícones em versões extremas; com a “morte” do Superman; a “coluna partida” do Batman e com os “clones” do Homem-Aranha; e HQs “adultas” repletas de sangue e de subversões do lado alternativo, Bone surgiu como um audacioso ponto de luz, uma “peça de resistência” à todo esse cenário, com uma nova e autêntica abordagem, a partir de personagens inéditos “fofinhos”, que conversam com animais (?!), publicado de forma independente, em preto e branco e papel barato, tudo bancado pelo próprio autor e sua esposa.

Mas eis que o título, que saía de forma irregular, com baixa tiragem, distribuída em um restrito circuito de Comic Shops e pequenos eventos, aos poucos foi chamando a atenção dos leitores, da crítica especializada e não tardou para cair nas graças de quadrinistas famosos, que passaram a recomendar e a elogiar a obra e seu criador, Jeff Smith. Não custa contextualizar: isso tudo foi antes da internet, de smartphones e redes wi-fi.

E então vieram as premiações, que se acumularam ao longo de toda a sua publicação: venceu 11 prêmios Harvey (!) e 10 Eisner (!!). Editado em 25 países, vendeu milhões de unidades e ainda foi indicado pela revista Time como um dos 10 melhores quadrinhos de todos os tempos!

O Dragão Vermelho, Fone Bone e a adorável Espinho

Nada mal para um quadrinho independente de bichos falantes, mas é perfeitamente compreensível entender o porquê do seu sucesso quando o leitor encara a bela versão brasileira da Editora Todavia, que compila a obra completa (pela primeira vez no Brasil) em 3 volumes, com tradução de Érico Assis. Eu peguei na versão Box, completinha, em uma boa promoção uns meses atrás.

Não vamos entrar em detalhes, mas “Bone” na verdade refere-se ao trio de protagonistas, os primos Fone, Phoney e Smiley, pertencentes a uma espécie curiosa de seres, ou talvez seja uma raça de pequenos humanos (não é explicitado isso em nenhum momento e, de fato, é parte do charme da aventura), desenhados em forma de Cartum, com as características de personagens da Disney ou da Turma da Mônica, ou até de tiras de jornal mais simples do começo do Século XX, com traços nem um pouco sofisticados, mas que por isso mesmo trazem uma autenticidade e um frescor ao quadrinho.

Interessante também acompanhar a evolução técnica de Smith, que nos primeiros números ainda se esforçava com a narrativa, às vezes truncada, e com um roteiro meio vago, com enxames de gafanhotos aleatórios, animais falantes, ratazanas gigantes abobadas e uma vovozinha e sua neta vivendo isoladas no meio de uma floresta.

Não deixe esse começo meio morno afastá-lo dos capítulos seguintes, ó fiel leitor! Aos poucos, a história ganha dramaticidade, inúmeros personagens surgem, quase sempre muito bem delineados, e quando o roteiro aponta uma jornada épica, aí sim, fica difícil deixar de concluir a leitura.

Nas páginas internas percebemos a influência do mestre Barks

Não é uma HQ sem falhas. Mesmo lá na parte final, algumas páginas parecem redundantes, as ameaças, às vezes repetidas, mas logo surge um diálogo esperto, um feito impressionante ou uma situação engraçada que faz com que a gente releve essas pequenas inconsistências.

Bone é indicado para qualquer faixa etária e pode sim ser uma porta de entrada para aqueles que abandonaram quadrinhos na infância e gostariam de retornar, mas não se empolgam com os intrincados universos de super-heróis, ou procuram algo menos pretensioso ou denso como os trabalhos de Alan Moore ou Grant Morrison. Certamente é uma boa pedida para fãs de RPGs, de Tolkien, imperdível para quem adora as aventuras dos Patos de Carl Barks (talvez a maior referência estética e no storytelling de Jeff Smith) ou de uma aventura leve sim, mas encantadora.

De todos os quadrinhos que li recentemente, Bone vira e mexe volta à minha lembrança, e um sorriso automaticamente aparece. Vale a pena embarcar na saga aparentemente inexistente (a julgar pelas capas rsrs) mas completamente viciante que os simpáticos e encrenqueiros Bones e sua imensa trupe de amigos e inimigos humanos, animais de todos os tamanhos, dragões e outros seres mágicos trazem nestas mais de 1.300 páginas de histórias em quadrinhos.

Indicação de Leituras para 2020!

Olá pessoal. Espero que estejam todos bem!

Vou retomar as publicações aqui no Blog, sugerindo leituras, escrevendo resenhas, comentando sobre quadrinistas e outros assuntos relacionados ao mundo, ou melhor, ao universo inesgotável e encantador das histórias em quadrinhos.

Estive bem ocupado nos últimos meses, por conta de trabalho mesmo… e, na verdade, continuo. Mas, graças ao confinamento, sou obrigado a ficar online quase o dia inteiro. Então, vou aproveitar para deixar o Lendo Quadrinhos vivo.

A propósito, temos um Instagram que está sempre ativo, com atualizações quase diárias:

@bloglendoquadrinhos 

Ah, também temos uma Página no Facebook e um Grupo Privado, exclusivamente para falar sobre nossa paixão. Participem!

Página: @lendoquadrinhos
Grupo: lendoquadrinhos 

Abraços e até breve.

Sonho é ler quadrinhos até a velhice…

Feira de HQs no Liceu Pasteur em São Paulo

É com grande satisfação que o Blog Lendo Quadrinhos convida a todos os apaixonados pela nova arte para uma nova edição da Feira de HQs no Liceu Pasteur, na Vila Mariana, em São Paulo, neste sábado, 28.09.2019.

Será um encontro de colecionadores, quadrinistas e editoras no pátio do colégio, para um agradável bate papo, exposição e venda de revistas em quadrinhos novas e usadas, prints, ilustrações e muito mais.

Participe: das 9h às 12h – Evento Gratuito!

Quadrinistas Confirmados, autografando suas obras:
. Felipe Folgosi
. Alexandre Jubran
. Régis Rocha (Afrodinamic)
. Julius Ckvalheiyro
. Fabrício Grellet

– E ainda:
. Alexandre Morgado, um dos maiores colecionadores de HQs do Brasil e autor do livro “Marvel Comics: a Trajetória da Casa das Ideias no Brasil” expondo e vendendo parte de seu acervo!
. Workshop de Desenho de HQs (às 10h).
. Palestra: Processo Criativo na Produção de uma HQ, com Fabrício Grellet – Criador, Roteirista e Editor, autor de “Jacques Demolay, o Mártir Templário” e dezenas de quadrinhos para Disney, Image e outras editoras estrangeiras (às 11h).

Endereço: Liceu Pasteur Unidade Mayrink.
Rua Mairinque, 256, Vila Mariana, São Paulo (entrada pelo portão da Diogo de Faria). Esperamos vocês por lá!

Nosso primeiro Evento de Quadrinhos será neste sábado, 24.11, participe!

Olá pessoal tudo bem?

Organizamos uma pequena mas muito honesta Feira de HQs que acontecerá neste sábado 24.11 no Colégio Liceu Pasteur, na Vila Mariana, aqui em São Paulo.

Feira de HQs no Liceu

Quem quiser bater um papo com colecionadores de quadrinhos, editores e outros entusiastas, por favor sejam bem-vindos!

O evento será das 9h às 12h30.
Endereço: Rua Mairinque, 256, Vila Mariana (entrada pelo portão lateral da Rua Diogo de Faria).

Vale a pena ainda aproveitar HQs com grandes descontos das Editoras Mythos e Cia. das Letras (Selo Quadrinhos na Cia) que estarão com estandes.

O quadrinista Felipe Folgosi também marcará presença e comentará com pais, alunos e visitantes sobre o processo de criação e produção de uma HQ nacional na atualidade, além de autografar suas próprias obras.

O roteirista Felipe Folgosi

Este será o primeiro de vários eventos que pretendemos realizar em colégios a partir de 2019. Entrada franca.

Análise Crítica da Coleção Histórica Marvel Mestre do Kung Fu #2

Homem-Aranha conhece Shang-Chi

Prosseguindo com um comentário para cada história de cada Volume da nova Coleção Histórica Marvel, que traz para o Brasil, pela primeira vez, as aventuras de Shang-Chi em ordem cronológica e em formato original americano, sem as famigeradas adaptações da Abril e de outras editoras. Leia e saiba mais sobre como o gênero das artes marciais era tratado pela Marvel naquele contexto histórico.

. Nível de Spoilers: de leves a moderados. São histórias antigas dos anos 70, mas não conto desfechos, tampouco revelações bombásticas.

Pelo que ouvimos de outras fontes, a Panini já garantiu que, além destes 4 primeiros volumes, outros 4 estão confirmados. Isso provavelmente vai cobrir todas as edições ilustradas por Paul Gulacy, o que é uma excelente notícia.

No geral, vamos ver se o próximo Volume da coleção vai melhorar o nível médio de histórias, porque este foi bastante irregular, como vocês verão a seguir.

1. Golpe de Mestre!
Roteiro: Len Wein / Desenhos: Ross Andru
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: G. Wein
Edição original: Giant-Size Spider-Man #2 (out/1974)

Homem-Aranha também precisa enfrentar artes marciais no traço de Ross Andru

Realmente, é louvável o trabalho da Panini com esta Coleção, porque está incluindo não somente as histórias solo de Shang-Chi, mas também suas participações especiais como “convidado” em HQs de outros personagens, na mesma sequência que saiu lá nos EUA.

Como era de se esperar, haveria um encontro com o Homem-Aranha logo, porque ambos os heróis atuavam em Nova York e combatiam o crime nas ruas. Além disso, o aracnídeo já era, desde o final dos anos 1960, o carro-chefe da editora e caminhava rapidamente para se transformar em um ícone mundial. Uma associação com o alter ego de Peter Parker seria, portanto, comercialmente interessante para qualquer novo personagem da Marvel ganhar visibilidade.

Com roteiro de Len Wein, um dos nomes mais importantes daquela década na “Casa das Ideias” – falecido recentemente; e arte de Ross Andru, um artista fortemente inspirado pelo trabalho de Gil Kane, “Golpe de Mestre!” é dividida em capítulos, como nas demais edições do tipo Giant-Size da época, e traz os heróis se estranhando em um primeiro momento e, depois de algumas situações, percebem que o melhor é unir forças contra os verdadeiros bandidos. Enfim, o modus operandi clássico de um team-up Marvel.

Vale a pena ressaltar que naquele momento da cronologia, o Homem-Aranha era considerado uma ameaça pela polícia e por boa parte da população, sofrendo uma violenta campanha negativa do Clarim Diário. Isso ajudava na construção da desconfiança mútua entre dois personagens que ainda não haviam se encontrado.

É uma aventura leve, onde o maior apelo é sem dúvida a união entre os heróis e, talvez, tenha sido relevante principalmente para Shang-Chi não só conhecer um combatente do crime superpoderoso, mas sobretudo por conquistar sua confiança.

No Volume #1, ele fez um team-up quase involuntário com o Homem-Coisa, que é o oposto em todos os sentidos do falastrão e jovem Aranha. A propósito, Parker deveria ter a mesma idade do Shang, entre 19 e 20 anos. A dupla voltaria a se encontrar em outras ocasiões (e em histórias bem melhores) ao longo das décadas seguintes como grandes aliados.

Novamente, o vilão escolhido é o Dr. Fu Manchu e há dezenas de guerreiros do Si-Fan – o exército de assassinos e devotos fanáticos de Manchu – no caminho dos heróis. A arte de Andru é simples, com alguns enquadramentos estranhos, que traz uma impressão de ter sido feita às pressas. Ah, não julgue (muito) as cores amarelas dos personagens orientais: era o padrão da época e ninguém parecia se importar.

Memorável é a reação do Homem-Aranha quando Shang-Chi revela o nome de seu pai, que era famoso na literatura americana popular (não dentro do Universo Marvel):

“Doutor Fu Man… QUEM? Ei, você está falando sério? Quer dizer… Fu Manchu é só um personagem de ficção… não é?”.
“Se ele é, Homem-Aranha, então eu também sou…”

Uma brincadeira metalinguística bacana!

No mais, mesmo sendo uma história absolutamente mediana e descartável, foi legal preencher mais um pequeno pedaço da cronologia do Universo Marvel com este histórico Team-Up.
Nota: 6,0.

2.Temporada de Vingança…
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Ron Wilson
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: Stan Goldberg
Edição original: Master of Kung Fu #21 (out/1974)


Continuação direta de “Arma da Alma” (a penúltima HQ do Volume #1 desta Coleção) com o pretenso chefe do crime de Miami, Demmy Marston.

Ron Wilson era um desenhista bastante limitado, escalado pela Marvel em geral como fill-in, ou seja, uma espécie de reserva de um artista principal que não conseguiu produzir algo no prazo.

Ele entregava personagens quadrados, duros, com pouca expressividade facial e pouquíssimos detalhes de cenários, embora tivesse os bons fundamentos da narrativa em quadrinhos. Talvez seu maior momento na história da editora seria sua associação com um outro personagem: o Coisa.

Isso porque ele aprimoraria seu estilo “quadrado” e conseguiria ilustrar boas histórias de Ben Grimm, tanto nas edições que ele estrelou do título de parcerias Marvel Two-in-One, quanto na sua revista solo, escrita por John Byrne em meados dos anos 1980.

Voltando à história, Shang-Chi tinha acabado de enfrentar o samurai Korain e, por isso mesmo, ainda estava nos arredores de Miami. Intrigado com um parque aquático, decide invadi-lo à noite para entender melhor o seu “conceito”. Logo a ação começa.

Chi enfrenta mercenários armados – como eles descobriram que seu alvo estava justamente naquele parque aquático tão rapidamente é um grande furo do roteiro – mas, sem dúvida, a grande “atração” deste capítulo é o momento de sua luta submarina contra um tubarão! Claro que Doug Moench não iria perder esta chance, não? A luta é impagável, um belo exemplar do “impossível que diverte”, daqueles que só encontramos mesmo nos quadrinhos.

No mais, acontecem outras duas cenas marcantes: nosso herói é brutalmente espancado (torturado seria a palavra mais adequada) e há um plot twist bacaninha que permite um final inesperado.
Nota: 5,5.

3. Biscoito da Morte!
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Dan Adkins / Cores: Petra Goldberg
Edição original: Master of Kung Fu #22 (nov/1974)

Esta boa história começa em um restaurante chinês, novamente com nosso herói atuando em Nova York.

Paul Gulacy está de volta e capricha nos detalhes das cenas no aconchegante restaurante: nas roupas dos frequentadores, na maquiagem e no corte do cabelo das belas, elegantes mulheres, e nos objetos cuidadosamente pesquisados que preenchem todos os espaços dos quadros, criando um ambiente intimista e moderno.

A primeira página é linda, um belo exemplo de como a Marvel era capaz de entregar quadrinhos de super-heróis diferentes, fugindo do lugar-comum de maneira às vezes singela.

Como era de se esperar, Shang-Chi não terá a paz que almejava encontrar nesta pequena fração da sua China natal. As lutas coreografadas por Gulacy tem mesmo uma qualidade única, superior, retendo o olhar do leitor por mais do que um mero instante para cada gesto, cada postura, cada golpe aplicado e seu impacto.

Fu Manchu, Sir Denis
Black Jack Tarr novamente participam desta história de argumento simples, mas eficiente, muito bem desenhada, com cores atraentes, repleta de batalhas excelentes e uma surpresa final.
Nota: 7,5.

4. O Triunfo do Doutor do Mal
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Jack Abel / Cores: Petra Goldberg
Edição original: Giant-Size Master of Kung Fu #2 (dez/1974)

Nesta segunda edição “gigante” do personagem, Doug Moench e Paul Gulacy entregam um verdadeiro épico, com certeza o ponto alto deste Volume. Parece um bom filme de ação e espionagem de James Bond no auge da Guerra Fria, com heróis e vilões únicos, com papéis claramente bem definidos e marcantes.

Como nas outras edições especiais Giant-Size típicas da Marvel, a história é dividida em capítulos, o que amplifica a sensação de estarmos diante de uma saga, e não uma HQ comum.

Perambulando por NYC, Shang-Chi conhece uma bela mulher que, ao que parece, é dona de um Dojô. Descolada, convida nosso herói para jantar e os dois engatam uma boa conversa.

“Estou feliz em te conhecer Shang-Chi.”
“Prefiro estas últimas palavras, Sandy, pois elas refletem as palavras em minha mente… e, neste momento, minha mente se enche de magia.”

Sim senhor, são raros momentos de paz e romance para nosso incansável lutador.

Logo, porém, Chi é interrompido por Sir Denis Smith, que lhe confia mais uma missão secreta. É uma tarefa diferente, embora seja também um dos grandes clichês do gênero da espionagem: um cientista inimigo (chinês), quer mudar de lado e nosso bom herói deve resgatá-lo.

A caminho da China, muita ação a bordo do avião e, logo que chega nas ruas da capital de sua terra natal, mais batalhas contra outros artistas marciais. Gulacy aproveita a chance e esbanja técnicas de ponto de fuga na criação dos prédios e casas chinesas.

A história apresenta ainda uma sequência realmente inacreditável de combate nas ruas e becos desta grande cidade oriental. Além disso, o roteiro trará muitos outros desafios e algumas reviravoltas, um dos primeiros clássicos absolutos do personagem que, sem ter qualquer superpoder, demonstra uma capacidade impressionante de feitos impossíveis.

A esta altura muito mais seguro de sua arte, Gulacy encara o tour de force com splash pages inesperadas, criativas, além de uma quadrinização que remete muito ao trabalho de Jim Steranko com outra HQ de espionagem da Marvel, Nick Fury.

No geral, há uma fluidez entre roteiro e arte que a tornam uma história em quadrinhos com pegada moderna – difícil de acreditar que foi produzida há mais de 40 anos!

E, para consagrar, há em um detalhe do roteiro uma enorme crueldade com nosso jovem Shang-Chi. Sem dúvida, uma edição inesquecível.
Nota: 9,0.

5. Rio da Morte
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Al Milgrom
Arte-Final: Klaus Janson / Cores: L. Lessmann
Edição original: Master of Kung Fu #23 (dez/1974)

Opa, uma aventura na América do Sul!

Sir Denis e Black Jack levam Shang-Chi a um passeio pelo Rio Amazonas e arredores para investigar uma suposta parceria entre um nazista foragido e Fu Manchu.

Nesta HQ, talvez pela primeira vez na série, o preconceito contra asiáticos é tratado de forma contundente.

Wilhem Butcher é descrito como o oficial mais leal do 3º Reich. Vale lembrar que tal premissa é baseada em fatos históricos, porque no pós 2ª Guerra Mundial, muitos ex-oficiais, soldados e simpatizantes nazistas procuraram mesmo refúgio em países da América do Sul, como Brasil, Argentina e Chile.

Claro, a maioria queria só recomeçar a vida e escapar da prisão na Europa, e não organizar um exército para ações terroristas, mas isso também aconteceu, e na região amazônica! Confiram uma reportagem recente sobre isso aqui.

Uma das características desta série tem sido os confrontos de Chi contra animais poderosos. Já vimos um gorila, um tubarão, alguns leopardos e agora, finalmente, um jacaré – aqui erroneamente chamado (ou traduzido) de crocodilo.

Al Milgron é agora o desenhista, após vários meses cuidando da arte-final, e faz um trabalho melhor que Ron Wilson, especialmente com sua cuidadosa montagem das lutas, mas ainda bem inferior ao incrível Paul Gulacy. Em um momento ele produz uma splash page dupla com resultados insatisfatórios: não somente na composição sem graça, mas alguns desenhos foram feitos muito pequenos que, ao serem ampliados, ficaram com uma qualidade grosseira do traço.

História com um plot twist bizarro, que deixa aparentemente sem sentido uma série de fatos. Ainda assim é curiosa, vamos ver a conclusão na próxima edição.
Nota: 6,0.

6. Massacre na Amazônia!
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Al Milgron, Jim Starlin, Alan Weiss, Walt Simonson
Arte-Final: Sal Trapani / Cores: P. Goldberg
Edição original: Master of Kung Fu #24 (jan/1975)

Nesta segunda parte da aventura contra nazistas na Amazônia, os créditos da arte ficam a cargo de 4 desenhistas diferentes, certamente convocados para concluir o trabalho a tempo.

O fato curioso é que, além de Al Milgron, os demais virariam grandes estrelas dos quadrinhos nas décadas seguintes, como Alain Weiss e Walt Simonson, além do próprio criador do personagem, Jim Starlin, que retorna meio sem-querer ao título. Coisas da produção industrial e um mercado totalmente dependente da distribuição para bancas de jornais e lojas de conveniência dos anos 1970, onde a revista tinha que ser finalizada de qualquer jeito.

O resultado é exatamente o que se esperaria, isto é, irregular, abaixo da média do padrão deste título.

A história é, essencialmente, o detalhamento da batalha cuja montagem foi orquestrada no capítulo anterior, entres os exércitos do nazista Wilhem Butcher, e os Si-Fan de Fu Manchu.

Embora tenha bons momentos, uma breve análise da trama confirma a suspeita que o plot é, simplesmente, estapafúrdio!

Basicamente, um grupo atraiu o outro para um confronto arriscado nos confins da selva com grandes chances de se dizimarem… sendo que os nazistas tinham um ás na manga que dispensaria completamente a aliança com Fu Manchu! E porque Sir Denis é convidado ao esconderijo pelo próprio Butcher?

Outra coisa que incomoda, aí analisando não somente estas duas partes mas sim o grande arco da série até o momento, é como Black Jack e, sobretudo, Sir Denis, parecem incompetentes e quase completamente descartáveis.

Está certo que é a estrela da revista, mas Chi é muito mais capaz que a dupla, mesmo sendo bem mais jovem e sabendo pouco sobre os planos, os locais e adversários e resolvendo tudo no improviso. Está na hora de ver os britânicos serem minimamente eficientes, pessoal!
Nota: 4,5.

7. Rituais de Coragem, Punhos da Morte!
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Sal Trapani / Cores: Bill Mantlo
Edição original: Master of Kung Fu #25 (fev/1975)

Gulacy retoma na última história deste segundo Volume. Nosso trio de heróis continua na Amazônia mas aqui temos uma aventura à parte, até com um argumento diretamente ligado à guerra travada anteriormente, mas é de fato uma história solo de Shang-Chi, que se vê envolvido com uma tribo de índios hostis chamada Jivaro.

História rápida, com uma trama simples, é onde acontece a “famosa” cena do Chi mordendo – e quebrando com os dentes! – uma espada.

Em defesa do argumentista, digamos que não fica claro como a tal espada foi parar ali, já que os Jivaro parecem ser uma tribo bem primitiva, incapaz de produzir uma espada como aquela – talvez estivesse na tribo há anos, colhida de um inimigo branco e já deteriorada e enferrujada pela ação do tempo e da natureza?

É engraçado analisar a capa: para o desenhista (acho que ali foi o Al Milgron), eles eram tão primitivos que usavam… tacapes? Espera um pouco, eram neandertais ou índios amazônicos? E porque eles são brancos se Chi é pintado de amarelo?

Particularmente tais fatos não chegam a me incomodar por conta do contexto histórico, mas não há nada de marcante mesmo nesta edição, com os índios sendo tratados de forma bastante superficial e clichê, embora tenha um final razoavelmente interessante.

Ah, sim, vamos incluir na lista de animais derrotados pelo Mestre do Kung Fu uma bela onça-pintada!
Nota: 6,0.

Análise Crítica da Coleção Histórica Marvel Mestre do Kung Fu #1

Capa do Volume 1 da Coleção Histórica Marvel com o Mestre do Kung Fu

Decidi comentar cada história deste grande lançamento da Panini, que promete trazer, na ordem cronológica, a republicação das HQs clássicas do Mestre do Kung Fu dos anos 1970. Vale ressaltar que esta é a primeira vez que estas histórias em quadrinhos saem no Brasil no formato original americano, sem cortes ou adaptações.

. Nível de Spoilers: de leves a moderados. São histórias clássicas, portanto não há necessidade de tratá-las como “segredo de estado”, mas mesmo assim evito desfechos ou revelações bombásticas.

Shang-Chi sempre foi um dos meus personagens favoritos da Marvel. Por alguma razão estranha, tenho um certo apreço pelo gênero kung fu, mas o que me atraía no herói sino-americano é que, em suas melhores histórias, enfrentava uma galeria de coadjuvantes e vilões intrigantes – embora quase sempre unidimensionais -, com roteiros que remetiam aos filmes de James Bond, com uma pitada de noir.

Após um longo período em que a Marvel estava impedida de republicar esta ótima fase, por uma falta de acordo sobre os direitos autorais de personagens que não são da Marvel, e sim do espólio de Sax Rohmer – tais como o maior inimigo do herói, nada mais nada menos do que o Dr. Fu Manchu; a partir de 2016, com essa pendenga resolvida, a editora iniciou um cuidadoso projeto de restauração e edição de encadernados – Hardcovers e Omnibuses – que agora chega ao Brasil em um formato bem mais modesto, em uma série de 4 volumes da já tradicional Coleção Histórica, com capa cartão e papel off-set.

Caso as vendas sejam boas, o personagem ganhará novas edições, com a sequência cronológica original.

1. Shang-Chi, o Mestre do Kung Fu!
Roteiro: Steve Englehart / Desenhos: Jim Starlin
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: Steve Englehart
Edição original: Special Marvel Edition #15 (dez/1973)

Capa com a primeira HQ de Shang Chi

Englehart já era um nome importante no time Marvel, mas Starlin, em 1973, ainda era iniciante e, como aconteceu com outros grandes futuros quadrinistas autorais, no começo só desenhava. Mas, por este trabalho, percebe-se claramente que ele já era um artista pronto, ainda mais finalizado pelo sempre competente Al Milgrom. Uma curiosidade: é a primeira vez que vejo Englehart com o crédito também nas cores. Contudo, a decisão de pintar de amarelo ou laranja os personagens orientais não foi uma escolha pessoal. Por mais preconceituoso que nos pareça isso hoje em dia, naquela época esse era o padrão da indústria americana.

Shang-Chi foi concebido, portanto, por um time criativo de alto nível, mas sua estreia foi em uma revista bimestral menor, usada pela Marvel para testar novos personagens e, de certa forma, também novos artistas. Eram os primeiros anos da “febre” do Kung Fu e outras artes marciais nos EUA.

Assim, como o título entrega, nesta primeira história somos apresentados ao protagonista e sua origem, estabelecendo que Shang-Chi era filho do Dr. Fu Manchu, – um então famoso vilão da literatura pulp fiction, criado pelo escritor Sax Rohmer no início do século XX -, que cuidou de seu treinamento pessoalmente ou supervisionando o trabalho de mestres por ele contratados desde seus primeiros anos, em Honan, na China.

Contrabandista de armas e escravos, Fu Manchu é super inteligente, culto, messiânico, líder do Si-Fan, uma sociedade secreta com um exército à sua disposição e deseja, simplesmente, derrubar o mundo ocidental. Com muito dinheiro e poder acumulados, o maligno mandarim vive saudável há quase 200 anos graças ao Elixir da Vida.

Além deste arquétipo de “yellow peril“, a Marvel usou ainda outros personagens do universo de Rhomer, como seus antagonistas heroicos Sir Denis Nayland Smith e Dr. Petrie, que terão uma forte ligação com o Mestre do Kung Fu.

HQ com ritmo ágil, mostra Shang-Chi com 19 anos, fiel a seu pai – a quem acha justo e verdadeiro – devido ao doutrinamento que recebeu na China para se tornar o principal assassino do Si-Fan. Um combatente perfeito, que domina qualquer arma, tem sentidos aguçados graças a técnicas marciais e possui um elevado nível de inteligência.

Chi ganha sua primeira missão, que é assassinar o inglês Dr. Petrie. O jovem cumpre sua tarefa mas é confrontado por Nayland Smith, que afirma categoricamente que Fu Manchu é o mal absoluto. Shang-Chi tem sua confiança abalada e decide questionar seu pai, além de querer conhecer sua mãe, americana.

Há ótimas cenas de lutas em uma história de origem redonda, que peca apenas por ser rápida demais no desenvolvimento da dúvida de Chi em relação ao seu pai. É um começo instigante para o personagem, que precisa derrotar diversos oponentes, todos também lutadores de artes marciais – além de uma fera – em “locações” na China, Inglaterra e nos EUA. Jim Starlin capricha na narrativa e principalmente nas lutas, que se parecem com as coreografias dos filmes de Bruce Lee (evidentemente!).

Bela arte de Jim Starlin

Assim como em outros gêneros temáticos, a primeira HQ estabelece as premissas de quase toda a série, com algumas convenções e a certeza de que o filho rebelde enfrentará as forças do pai ao lado de outros heróis por um longo tempo.
Nota: 8,0.

2. A Meia-Noite Traz a Morte Sombria
Roteiro: Steve Englehart / Desenhos: Jim Starlin
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: Linda Lessmann
Edição original: Special Marvel Edition #16 (fev/1974)

Shang-Chi Versus Meia-Noite

Shang-Chi continua em Nova York, morando no Central Park, onde enfrenta, talvez pela primeira vez na sua vida, um grupo de bandidos comuns, de rua. O autor, nesse momento, introduz uma misteriosa figura sombria. Logo descobriremos que é o inimigo retratado na capa, Meia-Noite.

Esse é um personagem interessante. Irmão adotivo de Chi, foi resgatado pelo seu pai, Fu Manchu, quando ficou órfão, graças a ações de assassinos do próprio Mandarim na África. De nome M’nai, Meia-Noite pode ser considerado um dos primeiros mestres de artes marciais negros dos quadrinhos. Continua fiel ao seu pai, mas considera Shang seu único amigo. Isso, claro, traz um dilema ao jovem.

O recado de Manchu, que pede para matá-lo, é direto: “Sentimento é um dogma da filosofia ocidental, não da nossa.” Jim Starlin, contudo, cria uma provável incoerência com essa filosofia ao colocar um chapéu cowboy, e não chinês ou, quem sabe, africano, no uniforme do jovem M’nai. Mas talvez o ocidente produzisse coisas boas, como este estiloso chapéu? Enfim…

Duelo de irmãos por Jim Starlin

Esta HQ, basicamente, é um desafio entre os dois mestres do Kung Fu filhos de Manchu. Os autores fazem um bom trabalho com a apresentação do novo vilão e no duelo que, ao longo de 10 páginas – quando às vezes os meio-irmãos dialogam, às vezes batalham em silêncio -, prende a atenção e traz um desfecho cruel, bem conduzido, que será sem dúvida marcante para Chi.
Nota: 7,5.

3. O Covil dos Perdidos!
Roteiro: Steve Englehart / Desenhos: Jim Starlin
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: George Roussos
Edição original: Master of Kung Fu #17 (abr/1974)

Primeira aparição de Black Jack Tarr

Esta terceira história do personagem é também a primeira com seu nome encabeçando o título. Era tradição da Marvel mudar o nome de uma revista genérica, como Special Marvel Edition, para o do personagem que “emplacasse” em suas páginas, e daí continuava com a numeração anterior (hoje em dia isso seria improvável, claro).

A edição #17 de Master of Kung Fu começa com caixas de texto com uma filosofia tão barata que é impossível não achar engraçado. Será que algum leitor da época levava a sério os “ensinamentos” orientais? Acho que só Steve Englehart (e talvez nem ele), tenha curtido essas frases-clichê dos filmes e séries de TV do gênero artes marciais.

Uma curiosidade: o trio de artistas faz uma rápida aparição especial nas batalhas, vale a pena procurá-los.

A parte relevante: esta é a primeira aparição de Black Jack Tarr, que seria um dos mais notórios coadjuvantes e aliados de Shang-Chi no futuro. Tarr é uma criação da Marvel, não pertencendo, portanto, ao rol de personagens de Sax Rohmer, e por isso apareceu em outras HQs, tendo até uma versão no Universo Ultimate.

Ainda em Nova York, o Mestre do Kung Fu é atraído para uma emboscada, criada por Nayland Smith: uma casa repleta de armadilhas. O roteiro parte, então, para aquele clássico modelo de desafios menores até o boss, no caso, o próprio Black Jack, retratado na capa de uma forma gigantesca, desproporcional ao que aparece internamente.

De fato, Starlin o desenha também grandioso mas não tão exagerado como na capa. Com o tempo, é curioso observar como o personagem seria bastante diminuído em estatura e músculos.

A arte está bem inferior em relação aos dois números anteriores. Todas as páginas tem um detalhamento menor, sem muito cuidado com layout nem contornos. Há uma splash page dupla simplesmente infeliz. Talvez Starlin tenha tido menos tempo para produzir o lápis, mas a arte-final nem parece ter sido do mesmo Al Milgrom.
Nota: 6,0.

4. Atacar!
Roteiro: Steve Englehart / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: Petra Goldberg
Edição original: Master of Kung Fu #18 (jun/1974)

Chi enfrenta diversos assassinos

Paul Gulacy é o substituto de Jim Starlin nos desenhos nesta quarta – e penúltima – história de Shang-Chi escrita pelo seu criador, Steve Englehart. Gulacy é um grande artista, fortemente influenciado pelo trabalho de Jim Steranko – como muitos outros nomes surgidos no período -, competente na quadrinização e até arrisca lay-outs diferentes. De certo modo, contudo, prefere a prudência nestas primeiras aventuras e se alinha com Starlin, especialmente na coreografia das lutas.

É nesta história que Shang-Chi aceita um acordo de cooperação com Nayland Smith – que ganha um flashback de 1911, quando conheceu Fu Manchu. Segundo Smith, ele teria devastado a China algum tempo antes daquele encontro. Talvez tenha sido um exagero, mas não lembro se essa questão foi abordada na série, ou se vale para a história do Universo Marvel.

Smith compartilha uma informação com o herói, que parte sozinho para a Flórida a fim de impedir um plano maligno e rocambolesco de Fu Manchu. Além dessa curiosa mudança de cenário, o Mestre do Kung Fu enfrenta, acredito que pela primeira vez, um adversário superpoderoso, um assassino dacoit chamado Satma, três vezes mais ágil e forte que um humano.

A arte de Gulacy chama a atenção, embora ainda tenha pontos a melhorar, em uma história sem grandes atrativos, mas com um acontecimento importante para o futuro do personagem, que é a união com Sir Smith, o antagonista original do vilanesco Fu Manchu. O plano é inverossímel e a resolução, bastante forçada, com direito a um “golpe impossível” de nosso herói.
Nota: 6,5.

5. Recuar
Roteiro: Steve Englehart / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: Stan G.
Edição original: Master of Kung Fu #19 (ago/1974)

O Homem-Coisa é o primeiro Team-Up da revista

Para sua despedida, Englehart traz o primeiro team-up com outro personagem Marvel, o Homem-Coisa. Com certeza, é uma escolha inusitada. Criado há apenas 3 anos, não tinha popularidade, nem era um super-heroi mas, quem sabe, esta revista pode ter tido a honra (?) de ser o primeiro crossover entre os gêneros “Artes Marciais” e “Terror” da editora.

O autor cria ainda dois novos assassinos Si-Fans genéricos, Jekin e Dahar, que darão muito trabalho a Chi.

Em paralelo, Sir Denis Nayland Smith e Black Jack Tarr, que agora também estão na Flórida, quase conseguem capturar Fu Manchu, que escapa, aparentemente, utilizando algum poder místico.

Paul Gulacy esmera-se na composição desta splash page com o Homem-Coisa

Paul Gulacy faz um ótimo trabalho nas lutas e na maior parte das composições, com quadros impactantes, mas ainda falha no lápis em alguns quadros, corpos e rostos. O final desta HQ é muito bacana, sendo a ideia da “filosofia oriental” bem trabalhada, até levemente tocante e contundente.
Nota: 7,5.

6. Arma da Alma
Roteiro: Gerry Conway / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Al Milgrom / Cores: George Roussos
Edição original: Master of Kung Fu #20 (set/1974)

Shang em Miami, bem antes de Scott Lang!

Esta é a primeira história de Shang-Chi escrita por outro autor, o jovem Gerry Conway, responsável pelo trágico fim de Gwen Stacy nas páginas do Homem-Aranha apenas um ano antes. A abordagem é parecida com a de Englehart mas Conway traz um frescor ao não incluir Fu Manchu diretamente na aventura.

Chi deixa os pântanos de Everglades e chega a Miami, onde enfrenta um trio de mergulhadores assassinos (!) na praia. Logo descobrimos que um criminoso local, tentando ganhar maior influência e poder, é o responsável: Demmy Marston, um americano elegante, retratado por Gulacy como se fosse algum ator de cinema, com as roupas, trejeitos e hábitos dos ricos que curtiam ostentar nos anos 1970, com iate ancorado e tudo o mais.

Injuriado por uma derrota, Marston não pensa duas vezes em espancar sua namorada, Diana, que até o final da HQ será protagonista de uma cena chocante.

Conway cria um novo vilão genérico lutador, Korain, descrito como um Samurai veterano que, por alguma razão, decidiu passar sua aposentadoria como assassino de aluguel nas Florida Keys.

Para o leitor frequente, esse recurso do “lutador do mês” começa a incomodar. Certamente brota aquela perguntinha na mente: “será que vai ser sempre assim?”.

Em todo caso, a HQ traz um roteiro e arte fluidas, com algumas curiosidades e um final completamente inesperado, com uma situação ligada ao Elixir da Vida, a fórmula secreta que mantém Fu Manchu com força e vigor de um adulto, apesar da idade avançadíssima.
Nota: 7,5.

7. Máscara da Morte
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Paul Gulacy
Arte-Final: Dan Adkins / Cores: Petra Goldberg
Edição original: Giant-Size Master of Kung Fu #1.1 (set/1974)

Capa da Primeira Edição Especial do Personagem

Provavelmente a revista mensal do personagem estava vendendo muito bem, porque a Marvel publicou esta edição especial entre os números #20 e #21, cinco meses desde a estreia da série regular.

Convocado para roteirizar Giant-Size, Doug Moench seria o escritor titular de Shang-Chi por anos e anos a fio, grande parte deles em parceria com Paul Gulacy.

A história é boa, fechada, como a maioria da produção da época, embora também fizesse parte de um arco maior, uma cronologia ampla da luta entre Fu Manchu e seu filho rebelde.

Moench leva Shang novamente para Nova York, onde apresenta Ducharme, uma espécie de confidente e assistente do vilanesco Mandarim, e também o Conselho dos 7, os mais leais e capazes lutadores do Si-Fan.

Shang-Chi ganha elegância e uma atmosfera noir com Paul Gulacy

Bela arte, a melhor de Gulacy até o momento, com alguns quadros icônicos, com uma atmosfera noir permeando as diversas lutas contra assassinos coloridos, diferentes entre si, com muita ação e onde finalmente concluímos que Shang-Chi é, de fato, um grande Mestre do Kung Fu: extremamente veloz, habilidoso, preciso. Texto econômico nos recordatórios, roteiro coeso, embora nada muito criativo, eficiente e de leitura agradável, mesmo nos dias atuais.
Nota: 8,5.

8. Passado Congelado, Memórias Partidas
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Graig Russell
Edição original: Giant-Size Master of Kung Fu #1.2 (set/1974)

HQ curta contida na edição Giant-Size americana da história anterior, de leitura rápida, mas que se passa em Miami. O que dizer? Bem, a arte é bem inferior, cheia de falhas, tanto de proporção quanto de montagem dos quadros. Vale como curiosidade artística, porque Craig Russell estudaria muito e se aprimoraria nos anos seguintes, até se transformar em um dos grandes mestres modernos dos quadrinhos. Impossível imaginar que este trabalho amador foi feito pelo mesmo autor multipremiado e parceiro de Neil Gaiman em Sandman e outros projetos, além de clássicos da Marvel como “What´s Disturbing you, Dr. Strange?“.
Nota: 4,0.

9. Reflexos em Águas Turvas
Roteiro: Doug Moench / Desenhos: Ron Wilson / Arte-Final: Mike Esposito
Edição original: Giant-Size Master of Kung Fu #1.3 (set/1974)

Outra HQ curta, mas com um desenvolvimento e arte melhores e um desfecho bem resolvido. É Chi atuando na vizinhança de Miami, provavelmente depois da história Arma da Alma. Entretém.
Nota: 6,0.

As Loucas Aventuras de Madman

Capa da edição brasileira do primeiro encadernado

Esta HQ entrava e saia da minha pilha de leitura. Uns anos atrás comecei a lê-la mas, por alguma razão, parei e só retomei nestes dias, quando parti do zero novamente.

Mike Allred criou Madman em 1990, e suas primeiras 5 HQs da série Madman Comics, originalmente publicadas pela Dark Horse, estão reunidas neste “Volume 1” da Pixel Media, de 2006.

Sou fã do Allred, então posso parecer suspeito, porque de fato esta não é uma obra para quem não curte o traço dele, muito peculiar e distante do estilo clássico ou realista, mas também diferente de um cartoon ou do mangá. É um estilo único, que pouco mudou nos últimos 30 anos. Não é um trabalho genial nem espetacular. Tem falhas, inclusive, mas vale a pena se deixar levar pelas loucas aventuras do herói Madman, que é, acima de tudo, uma pessoa generosa, com um coração puro, que não consegue deixar de ajudar os outros, enfim um sujeito realmente do bem.

Madman vive na imaginária Snap City e é o alter ego de Frank Einstein, cuja experiência de morte e ressurreição lhe proporcionou um conjunto de poderes atléticos e psiônicos que, apesar de pouco exuberantes, permitem que se vire bem em situações perigosas.

Há muitas coisas para se gostar do universo colorido deste personagem. Além do caráter abnegado de nosso herói, é bacana observar que, mesmo sem lembranças de seu passado, ele não fica se martirizando em uma espiral de tristeza sem fim – ou seja, não “fica de mimimi” – e trata de viver e curtir o presente da melhor forma possível.

Outra situação interessante: o uniforme branco com o raio vermelho é uma cópia do super-herói favorito de Frank, Mr. Excitement. Além disso, há um vasto e incrível elenco de apoio, passando por um par de cientistas loucos do bem, androides que se replicam, alienígenas bizarros e uma gangue de Beatniks. Todavia, o melhor é a amável presença de Joe, a namorada de Madman que, mesmo sem poderes, é muito esperta e corajosa e faz tudo ganhar alegria e vida.

O ritmo das primeiras histórias é um pouco truncado, mas Mike Allred vai aprimorando seus roteiros e narrativa. Além do mais, há tantas ideias a cada página, tantas situações malucas e divertidas, tantos personagens esquisitos e cativantes, que a então pouca experiência do desenhista com os roteiros é perdoável. O ponto alto deste encadernado, para mim, é Terror em Alto-Mar, onde Madman é injustamente acusado de um crime enquanto trabalha em um circo dentro de um navio de cruzeiro. Durante o processo de investigação para localizar o assassino, nosso herói tem uma longa e intrincada luta com o Homem-Músculo em uma sequência de 14 páginas! E com direito a discussões filosóficas…

Com argumentos assumidamente simples, calcados nos clichês da Pulp Fiction da metade do século XX, especialmente dos gêneros ficção, aventura e suspense, os quadrinhos de Allred exalam pop art moderna com ares vintage, hoje muito comum mas uma inovação radical nos comics do começo dos anos 1990 – afinal, era a época dos anti-heróis sanguinários, repletos de armas, espinhos nos uniformes, mulheres voluptuosas e sagas intermináveis, ou seja, o oposto de toda a proposta desta HQ.

Madman e alguns de seus aliados, por Mike e Laura Allred

Com cores de Laura Allred, esposa do criador, infelizmente este é o único volume de Madman no país. Talvez se fosse lançado hoje, com a recente diversificação do mercado brasileiro, o personagem tivesse um pouco mais de apelo comercial, porque de fato há mais leitores interessados em quadrinhos alternativos. Além disso, o próprio Mike Allred está mais conhecido, após sua passagem pelo Surfista Prateado e pela sua co-criação IZombie, da Vertigo, que teve ampla repercussão e gerou uma série televisiva em 2013 que agora está na quarta temporada no canal CW.

“Madman Volume 1 – Curso-relâmpago para quem quer se divertir” é uma boa HQ, divertida e despretensiosa, com texto e arte vibrantes de um dos quadrinistas mais originais em atividade.

Nota: 8,0.

Uma HQ para a Sala de Aula (1) – A Narradora das Neves – Editora Nemo

Capa com design elegante com os protagonistas Inuit esperando o jantar

Este breve artigo é uma sugestão que humildemente deixo para professores que desejam trabalhar com histórias em quadrinhos com seus alunos. Como conheço razoavelmente bem o mercado educacional, além de ser filho de pedagoga e ter um longo contato com projetos educativos variados, inclusive com HQs, quem sabe não possa ajudar?

Há muita coisa interessante neste singelo conto sobre o povo Inuit que, acredito, pode ser bem trabalhado nos colégios com jovens leitores, entre 8 e 11 anos, especialmente por conta do retrato cuidadoso que apresenta do dia a dia de pequenas tribos do vasto território dos esquimós. É bem difícil encontrar material específico sobre essa cultura.

Antes de mais nada, é preciso dizer que esta é uma História em Quadrinhos. Ponto! Não foi planejada especificamente para ser trabalhada em sala de aula – pelo menos é assim que me parece. Isso traz uma grande vantagem e, também, pode trazer um problema.

Como se sabe, atualmente é comum a presença de histórias em quadrinhos nas listas de paradidáticos de colégios brasileiros (especialmente na rede privada). O meio ainda é visto com reservas por alguns professores, mas sem o preconceito de décadas atrás. A constante evolução da linguagem e, principalmente, a gigantesca produção que provém de dezenas de países diversificou os temas, aprofundou os gêneros e, com isso, os públicos.

Porém, o mais usual em sala de aula é vermos adaptações de Clássicos da Literatura – mundial ou brasileira, algumas muito boas por sinal – ou histórias originais nem sempre bem desenvolvidas, ou até mesmo, livros paradidáticos maçantes que por acaso foram desenvolvidas no formato de HQ.

Não é o caso de A Narradora das Neves. E é essa a grande vantagem: por ser uma HQ de verdade, não é “mais um livro paradidático chato” (comentário típico de alunos dessa faixa etária).

Quanto ao problema, digamos que é o outro lado da moeda: o professor precisa extrair da obra o que acha mais interessante e planejar a aula de leitura e interpretação, ou o projeto interdisciplinar que a HQ claramente “pede” para acontecer.

Criada por um trio de quadrinistas franceses, o título é fruto de um projeto capitaneado pela revista GEO, uma espécie de versão francesa da National Geographic, que trata de viagens, povos, natureza e lugares exóticos, em parceria com a editora Dargaud, uma das maiores e mais relevantes editoras de quadrinhos do país do Asterix.

Foram 3 títulos, todos traduzidos para o português pela Nemo, em 2013. Os outros são O Apanhador de Nuvens e As Crianças da Sombra. Eu só tive acesso a este, por enquanto. Um leitor adulto a completa em 20 minutos, mas para uma criança pequena deve levar mais do que o dobro desse tempo. Há também a questão da apreciação das imagens, etc.

Na capa, os créditos de criação vão para uma dupla, Béka & Marko, mas uma rápida pesquisada na wikipedia explica que Béka é o pseudônimo para um casal de autores, Bertrand Escaich (de onde veio o Bé) e Caroline Roque (daí fecha o Ka). Os desenhos ficaram a cargo de Marko, na verdade Marc Armspach (os franceses adoram pseudônimos…).

A HQ traz dois momentos da vida de Buniq, que é quem dá o nome ao título: nos dias atuais, idosa, e suas lembranças da adolescência, 60 anos atrás.

Naquela ocasião, vemos a jovem Inuit incomodada com a atitude de avô, Ukioq, que decidiu deixar a pequena aldeia e ir “se sentar” para morrer sozinho de frio. Sem didatismos, percebemos que essa situação é natural, uma prática comum daquela época, justificada pelas crescentes dificuldades que um idoso doente ou com movimentos limitados trazia para seus familiares naquele terreno quase inóspito.

Buniq, contudo, tem dificuldades em aceitar essa atitude e decide resgatar seu avô. No mesmo dia, um viajante aparece na aldeia e conta histórias que fascinam tanto a jovem que ela resolve, então, organizar uma expedição para lugares distantes na companhia de seu querido Ukioq e, assim, adiar a perda do ancião.

Outro adolescente, o aprendiz de caçador Taq, completa o trio de exploradores do “Grande País dos Homens”, como esse povo chama a vasta região ao redor do Círculo Polar Ártico colonizada pelas tribos Inuites.

Há aventura e ternura, comédia e ação, mas sobretudo é um retrato de um povo verdadeiramente diferente para nós, brasileiros e latinos. É aterrador ver tanto gelo e neve, ventanias súbitas e tempestades, e tão pouca vida animal terrestre, e conseguir não apenas sobreviver, mas desenvolver uma tradição oral de fábulas, manufatura de peles, utensílios e armas, técnicas de caça e de pesca, barcos e caiaques, além de um profundo contato com a natureza e o mundo espiritual.

O traço de Marko é simples, com poucos detalhes, seguindo a tradição da escola da Linha Clara franco-belga, com uma narrativa bem resolvida, fluida e gostosa de se olhar.

As cores singelas, plácidas e realistas com a geografia local são de Maela Cosson e a tradução de Fernando Scheide parece muito boa, sendo a edição da Nemo no geral bem interessante em termos de formato e preço (apesar de ser R$ 34,90 na tabela, é possível encontrar por cerca de R$ 20,00!).

É isso, gostei bastante deste título infanto-juvenil europeu e pretendo comprar os demais da série.

Inuit adulta em trajes típicos do meio do século XX, mesmo período da HQ

Atenção professores!

Segue um resumo do que acho pertinente para trabalhar A Narradora das Neves com seus alunos e assim estimulá-los a ler mais, a conhecer a linguagem dos quadrinhos e, claro, adquirir conteúdos ricos de assuntos diferentes de um jeito legal!

Disciplinas: Geografia . História . Ciências . Português

Temas: Amizade . Amor . Amadurecimento . Tradição . Outras Culturas . Juventude x Velhice . Responsabilidade . Animais do Ártico . Hábitos dos Esquimós .

Idade: de 8 a 11 anos.

Sabe-se, também, que os esquimós seguem rapidamente para a total ocidentalização de seus hábitos, já que atualmente em seus territórios há muito potencial turístico, além de grande exploração mineral e animal há décadas. Portanto pode ser interessante traçar uma pesquisa adicional sobre a história dessa população e como se encontra hoje. Espero ter ajudado, abraços!

Descobrindo o Mundo de Tex com a Coleção da Salvat

O lançamento da nova coleção da Editora Salvat, Tex Gold, sem dúvida alguma fez a alegria do grande – e muitas vezes esquecido – contingente de fãs do personagem italiano, que há décadas é publicado ininterruptamente no Brasil.

Porém, com aquele precinho camarada de R$ 9,90 para a primeira edição, fez também com que muita gente que não costuma comprar as revistas do cowboy finalmente arriscasse o investimento.

O resultado? Certamente para muitos desses novatos, a leitura foi surpreendentemente agradável.

Eu sou um desses leitores.

Capa da Edição 1 da Coleção Tex Gold

Eu tenho comprado algumas das coleções da Marvel da Salvat e, em grande parte por isso, me senti instigado a dar uma chance ao material da Bonelli. Depois de consultar alguns Canais, Grupos e Blogs, entendi que a seleção de histórias prevista para a coleção é composta de HQs especiais, pinçadas a dedo entre Anuais, edições Gigante  e Almanaques, com um cuidado adicional em apresentar uma ampla variedade de desenhistas.

Eu realmente adorei a primeira edição. Roteiro muito bem costurado, fluido, bons diálogos, trama envolvente e uma arte encantadora.

Índios, cavalaria, fortes, salloon, pradarias, espingardas, flechas, riachos, mocinhos e bandidos, enfim, o mundo de Tex retrata a essência das histórias de faroeste. Fui atingido sim por uma forte dose de nostalgia… lembranças dos inúmeros filmes do gênero que assisti ao lado de meu pai, ou dos seriados em família, como Os Pioneiros e Daniel Boone, das brincadeiras de “Forte Apache” com meu irmão, das minhas dezenas de soldadinhos, índios e mineradores que tanto curtia quando criança e até um pouco além: tive uma “fase” em que resolvi pintar à mão com tinta acrílica minuciosamente todos os meus bonequinhos.

Mas, divaguei…

A trama de O Profeta Indígena apresenta Manitary, um jovem shaman da tribo dos Hualpais, uma espécie de excluído que, a partir de uma visão profética, vira um líder espiritual que convence e une centenas de “peles vermelhas” em uma missão sagrada contra os brancos. Há muita ação, mas também boas soluções de investigação, planos e contra-planos, e um bom desenvolvimento de personagens. São 220 páginas (!), um verdadeiro épico do gênero.

Mas, devo ressaltar, há momentos realmente espetaculares de narrativa gráfica, como quando Tex e seu leal grupo de parceiros conversam em um bar… a câmera do italiano Corrado Mastantuono “percorre”, ao longo de 4 páginas, o cenário de forma impecável, variando o foco e a distância, girando, ora se afastando, ora se aproximando, enfim, criando um ritmo agradável – até plácido – que, com os cuidadosos diálogos de Cláudio Nizzi, fazem com que a sequência da conversa entre os heróis e a criação de seus planos seja impecável.

O belíssimo traço e a perfeita câmera de Corrado Mastantuono

Entusiasmado, comprei a segunda edição, chamada O Cavaleiro Solitário, com arte do mestre Joe Kubert, e também gostei muito. História solo, violenta, às vezes carregada de tensão, mas ainda assim coerente com a personalidade do ranger Tex Willer e de seu universo, ou seja, argumento carregado em realismo, sem nunca exceder aquele limite do impossível, em uma quadrinização clássica, segura, sem experimentalismos, mas extremamente competente.

Comprei a terceira sem pestanejar, Patagônia, e novamente fui surpreendido pelo tema, com uma verdadeira aula de história dos conflitos entre os colonos e os indígenas da nossa vizinha Argentina. Já peguei o volume 4 e, enquanto continuar gostando das histórias e da arte, pretendo continuar comprando Tex Gold.

Minha relação com as HQs do Tex, até então, era um misto de preconceito e desconfiança.

Lembro de ter lido brevemente uma ou outra revista no começo dos anos 1980, muito provavelmente entre as pilhas do saudoso Tio Frank, de Itanhaém, mas não me chamaram muita atenção. Lembro que achava aquilo muito “sério” e “adulto”.

Depois, quando mais revistas da Bonelli começaram a ser publicadas no Brasil pela editora Mythos, no começo dos anos 2000, pensei em arriscar mas, folheando aqueles “quadrinhos quadrados” em preto e branco, confesso que desisti… comprei um Zagor aqui, uma Julia Kendall ali, mas o Tex deixei novamente de lado.

O preconceito vem, acredito, muito em conta do gênero faroeste ter submergido na cultura pop nas últimas décadas, e pelo perfil aparentemente “ultraconservador” do público leitor do personagem – afinal, quem frequenta bancas observa quem geralmente compra o quê… e não estou falando apenas da seção de quadrinhos, claro.

Parece certo que o leitor tradicional de Tex é homem, adulto ou idoso, urbano e muito comum entre os moradores de pequenas cidades do interior, muitos dos quais talvez só acompanham esse tipo de HQ ou, mais provável, prefiram Tex a qualquer outro gênero.

Sim, os quadrinhos da Bonelli em geral não podem ser chamados de subversivos, criativos ou talvez nem mesmo modernos, mas de modo algum Tex traz mensagens “inadequadas” ou desconectadas com os dias atuais. Nosso ranger e seus pards, apesar de matarem frequentemente seus inimigos, pregam paz entre as nações indígenas e os invasores brancos, respeitam a natureza e defendem a lei e a ordem. Não toleram injustiças, nenhum tipo de violência gratuita, estão sempre dispostos a ajudar os mais necessitados e a praticar o bem. Heróis, enfim.

Acredito que a Salvat acertou mais uma.

Em termos comerciais, deve ter um bom desempenho, mas talvez a mais importante contribuição de Tex Gold seja ampliar e renovar (?) o público leitor deste ícone dos quadrinhos italianos.

Pela qualidade destas primeiras edições, e no nível dos quadrinistas envolvidos, nada mais justo e necessário.