Coleção Snoopy nas Bancas

Em março de 2021 chegaram os primeiros volumes de uma nova coleção de quadrinhos nas bancas de São Paulo e outras regiões: Snoopy – Charlie Brown & Friends, a Peanuts Collection. Sim, o nome oficial é grande mas, resumidamente, é uma série quinzenal capa dura da editora Planeta DeAgostini com as tiras dominicais do querido Snoopy.



O primeiro volume custa apenas R$ 14,90, e traz todas as tiras dominicais produzidas pelo grande Charles Schulz ao longo do ano de 1968. Li e é mesmo muito divertido e cativante, especialmente porque são tiras maiores que as tradicionais de 3 ou 4 quadros (as que saíam nos dias úteis) e, por isso mesmo, permitiam um tratamento mais elaborado das gags e, claro, das personalidades de Charlie Brown & Cia.

A Coleção funcionará assim: cada novo volume trará o conteúdo de um ano inteiro das tiras de domingo, como nesta primeira remessa, ou serão edições temáticas. Aliás, Charles Shulz trabalhou por cerca de 50 anos com seus carismáticos personagens, de 1950 a 1999.

A segunda entrega trouxe os anos 1969 e 1970 e são vendidos em conjunto por R$ 49,90. Em breve chega o quarto volume, esse ao preço definitivo de R$ 49,90 por edição, um valor salgado para este tipo de material em preto e branco e com apenas 60 páginas, e que pressupõe um compromisso de longo prazo do comprador, já que idealmente é para “fazer a coleção”, e ela será enorme, com dezenas de volumes. Na verdade, esse número não está claro, podendo ser encerrada pela editora antes. A propósito, no site da Planeta há um plano de assinatura que pode ser interessante, com descontos e brindes exclusivos.



Para quem não conhece o conteúdo destas tiras de jornal, um verdadeiro marco dos quadrinhos de humor da segunda metade do século XX, com um quê de filosofia e existencialismo e muita ironia, as estrelas eram, além dos animais – o beagle Snoopy e o pássaro Woodstock, um grupo de crianças que circundam a vida de Charlie Brown, em grande medida um garoto melancólico e loser, inspirado no próprio autor, que teve uma infância meio complicada, meio privilegiada, contada logo no primeiro volume.

Sem dúvida, é um trabalho que não perdeu sua qualidade ou ressonância com o tempo. Pelo contrário, os temas são universais e justificam o enorme sucesso nos EUA e em muitos outros países, como aqui no Brasil.

Snoopy, vale lembrar, virou desenho animado e foi licenciado para brinquedos, bichos de pelúcia e muitos cadernos, agendas e outros itens de papelaria, e permanece um ícone mundial, mesmo 20 anos após o falecimento do criador, que não permitiu a continuação dos quadrinhos nas mãos de outros artistas.

Indicado para leitores de todas as idades, o material tem um ótimo acabamento gráfico, padrão da Planeta DeAgostini (que trouxe outra coleção das tiras, a do Príncipe Valente, que está próxima da conclusão), com textos introdutórios muito bons, de pesquisadores dos quadrinhos e de especialistas na obra.



Diria que a maior “ameaça” ao sucesso desta coleção é o conjunto preço elevado + coleção longa + cenário recessivo no país. Ressalto que o preço dos quadrinhos em geral aumentou bastante nos últimos meses, sendo que hoje é comum encontrar mangás – outros materiais em preto e branco, com muito mais páginas mas sem capa dura ou papel bom, com preços quase na mesma faixa.

Enfim, é um clássico e torço que dê certo e assim mais leitores conheçam e se divirtam com Charlie Brown, seu cachorrinho Snoopy e demais amigos.

Novidade: Podcast Lendo Quadrinhos

Decidimos diversificar a forma com que divulgamos nossa grande paixão que são, claro, as Histórias em Quadrinhos!

Capa Podcast LQ

Agora temos um Podcast onde falaremos sobre assuntos variados da nona arte, desde o mercado, novidades, indicações de todos os gêneros e o que mais der vontade.

Foi criado no Anchor, mas já está disponível também no Spotify, Google Podcasts, Radio Public, Breaker e em breve em outras plataformas, como a da Apple.

Confiram o Trailer, assinem gratuitamente esse novo serviço e seguimos… lendo quadrinhos!

Indicação: Quarteto Fantástico – Mulher Invisível (Panini Comics)

Este simpático encadernado em capa cartão contém uma minissérie em 5 partes completinha, com a história Parceiros no Crime, publicada originalmente nos EUA em 2019 e em novembro de 2020 no Brasil.

Mulher Invisível em capa do grande Adam Hughes

Escrita con mucho gusto pelo tarimbado Mark Waid e desenhada por Mattia De Iulis, é uma revista divertida e esteticamente atraente que, mesmo com uma arte criada digitalmente, apresenta não apenas uma narrativa elegante, clean, como também cores equilibradas e expressões faciais bem construídas, algo raro em artistas contemporâneos.

Sobre a história, sem dúvida alguma um dos grandes destaques – inclusive para leitores veteranos -, é no uso inventivo, até inusitado, dos poderes da Mulher Invisível em vários momentos da trama, e que certamente não poderão ser ignorados daqui em diante.

Além de Susan Storm, o outro personagem-chave desta HQ é Aidan Tintreach, um agente secreto criado para esta série e que teria, de acordo com o retcon aqui apresentado, uma longa história de parceria com a super heroína – daí o título da aventura.

Aidan é o parceiro mais que secreto da Susan Storm

Vale frisar que não é a primeira vez que a Mulher Invisível é mostrada como agente secreta. O próprio Mark Waid revelou esta curiosa faceta da Susan em uma história da finada série mensal dos Agentes da SHIELD com Phil Coulson, de alguns anos atrás e que chegou a ser publicada pela Panini em encadernados.

Acho uma ideia bem interessante, porque furtividade, incursões e fugas perigosas, mas seguras, combinam perfeitamente com o conjunto de poderes daquela que é, provavelmente, a mais poderosa integrante do Quarteto Fantástico.

Sim, a Mulher Invisível dá uma ótima espiã!

Enfim, o que move a história de Parceiros no Crime é quando a CIA conta à Susan que Aidan foi capturado durante uma missão em Morávia (um país fictício do Universo Marvel do em constante conflito, localizado no leste europeu). A prisão do agente estaria ligada com a tentativa de salvamento de jovens americanos no belicoso país.

A Mulher-Invisível decide seguir pistas deixadas por Aidan para, claro, o libertar e também salvar os americanos. Essa busca fará com que ela visite localidades diferentes pelo mundo: Madripoor, Itália, Irlanda e outras, o que é típico de histórias de espionagem a la Guerra Fria.

Por sinal, por ser uma trama de agente secreto no Universo Marvel, o roteirista não perde a chance de inserir participações especiais: Nick Fury (pai e filho), Maria Hill e Viúva Negra.

Uma observação sobre a Viúva: no traço de Iulis, ela apresenta uma feição diferente, mais envelhecida (totalmente condizente com seu histórico) e de expressões “eslavas” (se é que eu posso me permitir esse apontamento) ou, ao menos, “não-europeus do oeste”. Acho esse cuidado mais do que um mero detalhe. As editoras de quadrinhos mainstream americanas deveriam se esforçar mais para acertar os traços físicos dos diferentes povos de nosso planeta. Em geral, os desenhistas se limitam a ajustar roupas e cabelos, mas as fisionomias e corpos são todas meio genéricas, grosseiras, quase sempre clichês de latinos, africanos ou asiáticos. Por isso me chamou a atenção que, mesmo entre “europeus”, para um bom observador há diferenças mais do que sutis. Ponto para o Iulis que, a propósito, é italiano.

Susan Storm Richards e Natasha Romanoff no traço de Mattia De Iluis

Já o desenho da Susan segue o estilo primeiramente apresentado pelo grande Steve McNiven que, lá no começo dos anos 2000, na revista Marvel Knights Fantastic Four, a fez mais longilínea e mais leve, jovial.

Pequenos pontos problemáticos: há algumas soluções excessivamente convenientes do roteiro mas que, a meu ver, não chegam a “estragar” o clima e, de certo modo, fazem parte da vibe das histórias de espionagem, sejam em quadrinhos, livros ou no cinema. Além disso, é possível dizer que o roteiro é mesmo um tanto genérico, ou seja, poderia ser aplicado para qualquer outro agente secreto da Marvel e funcionaria igual mas, por outro lado, perderíamos a chance de vermos os poderes de invisiblidade sendo usados de forma criativa e, talvez mais importante, de acrescentar novas camadas e possibilidades para a personalidade e a história individual da Mulher Invisível, algo que a torna ainda mais especial e “descolada” da sua vida no Quarteto Fantástico.

Susan infiltrada na alta classe europeia.

Para encerrar, diria que sim, é uma revista de muito bom nível, com uma arte bem bonita, diálogos que deixam a leitura agradável e tem a vantagem de ser uma história auto contida e ótima, portanto, também para quem não acompanha o Universo Marvel em geral ou não costuma ler HQs do Quarteto.

O final é emocionante como precisava ser e, após a leitura, fica o gostinho de que não só valeu a pena como seria interessante a mesma dupla criativa contar novas histórias do lado menos visível da Mulher Invisível.

Nota 8,0.

Leituras para a Quarentena #04: Skybourne

Esta recomendação de leitura para a quarentena é um pouquinho diferente das anteriores: tem bastante violência gráfica, sangue, mortes e monstros mas, ainda assim, acho que se enquadra em leituras “menos tensas” porque essas características gore servem a um humor negro nem tão seco, nem tão refinado, que criam uma HQ deliciosamente pop e moderna, de leitura fluida, repleta de ação.

Comic Book Cover

Capa da edição brasileira

Skybourne é o mais recente trabalho autoral de Frank Cho, o artista coreano-americano notório por curtir desenhar criaturas monstruosas e corpos torneados.

Cho tem uma longa carreira nos quadrinhos mainstream, notadamente na Marvel e, embora tenha produzido mais como desenhista (suas capas são muito requisitadas), é também roteirista e criador, tendo recebido destaque pela primeira vez graças à sua tira de jornal Liberty Meadows (1997-2001) que, por sinal, saiu em versão encadernada no Brasil pela HQM Editora.

Mas do que se trata este quadrinho?

Grace Skybourne em ação!

Skybourne é o sobrenome de três irmãos imortais dotados de força super humana e pele impenetrável, que seriam filhos de Lázaro (da Bíblia, talvez?) e parecem ter conexões com os Mitos Arturianos.

Neste Volume #01 (e, até o momento, único produzido!), que dá para ler em “uma sentada”, acompanhamos o paradeiro de dois deles – Grace e Thomas – que trabalham para a agência Topo da Montanha, operada por uma Fundação ligada ao Vaticano, que captura monstros e elimina outras ameaças à vida humana.

Monstros e Mitos recheiam a HQ do começo ao fim

Gostei bastante do ritmo frenético, da arte elegante e da ação vertiginosa com algumas breves pausas para conhecermos melhor o passado dos protagonistas – além dos dois super irmãos, há um padre (!) irônico, debochado e galanteador (!!) que é uma espécie de consultor (!!!) da agência caça-monstros e amigo de longa data dos Skybourne.

Frank Cho é obviamente um ilustrador de mão cheia, mas é interessante notar como sua narrativa está sempre evoluindo. Este trabalho é realmente um ponto alto na sua carreira.

Opa, assim como no Post anterior, aqui também temos Dragões, mas estes são do tipo clássico!

O quadrinista conhece seus limites e, corretamente, não faz textos densos ou elaborados, pelo contrário: prefere entregar um roteiro simples, enxuto, mas com um conjunto de poucos e bons personagens que, se não imediatamente cativantes, são intrigantes o suficiente para nos importarmos com eles. De fato, os super irmãos parecem saber muito mais do mundo que qualquer outra pessoa e ainda assim – ou por isso mesmo – carregam um enorme peso nos ombros.

Aqui, Frank Cho concebeu, roteirizou, desenhou e arte-finalizou os cinco capítulos que compõem o “arco de lançamento”, conteúdo deste encadernado capa-dura. As cores, contudo, ficaram a cargo do brasileiro Márcio Menyz, que realmente fez um belo trabalho, capaz de ressaltar todos os personagens – mesmo quando há dúzias no mesmo quadro -, além de criar um “clima” próprio, único, que traz ainda mais personalidade para a obra.

Lápis e arte-final de Cho, antes das cores de Márcio

O quadrinho foi editado pela Boom! Studios nos EUA e saiu aqui em 2019 pela Editora Mythos sob o selo Prime Edition – que traz arcos fechados no formato americano, capa dura, com bom papel e acabamento, mas econômico nos extras.

Bela HQ. Vontade de ler a continuação. Só não é possível saber quando isso vai ocorrer porque, até o momento, Frank Cho não confirmou nada nesse sentido. Fico na torcida.

Nota 8,0.

Leituras para a Quarentena #03: Caçando Dragões

Olá pessoal, tudo bem?

Por incrível que pareça, esta é minha primeira indicação de Mangá no Blog, que coisa!
Se eu conseguisse vir aqui mais vezes por mês certamente já teria falado sobre este e outros mangás deliciosos. Mas o tempo está curto mesmo, o que é uma pena porque eu gosto muito de falar, de escrever e de discutir quadrinhos de todos os tipos.

Capa da edição mais recente.

Mas, vamos ao que interessa.

No começo dos Anos 80 mangá não fazia parte do mix de leituras disponíveis nas bancas e, por isso, sou de uma geração de leitores de quadrinhos que passou a infância e a adolescência sem contato com o estilo.

Precisei de um certo tempo, com algum esforço, para começar a curtir. Hoje em dia está incorporado: sempre tenho um ou dois à disposição na pilha. Não virei um leitor compulsivo de mangás, como sou com quadrinhos de heróis por exemplo, e tem muito mangá que experimento e deixo pra lá, mas pelo menos compreendo melhor a proposta e “como funciona”.

Esta nossa terceira indicação da série Leituras para a Quarentena partiu de uma decisão prosaica: ano passado, vi a capa do número #01 de Caçando Dragões na banca e fiquei encantado com os traços delicados, mas super detalhados, e o belíssimo colorido. O tema me deixou curioso mas, antes que recorresse ao smartphone para fazer uma rápida pesquisa, decidi comprar.

Sim, foi pela capa, sem ter lido uma única resenha ou um mínimo comentário em outros sites, nem no Instagram, nem no YouTube… enfim, foi um “tiro no escuro” mas, ainda bem, acertei no alvo!

Gostei bastante da primeira edição e mais ainda das seguintes. Estou acompanhando com prazer o trabalho de Taku Kuwabara. É uma proposta razoavelmente complexa, mais que aparenta no início e, puxa vida, que arte linda!

Alguns dos protagonistas praticando a caça na primeira capa da série

Caçando Dragões – Kuutei Dragons no original – é uma leitura fluida, com diálogos bem cuidados, narrativa prazerosa e personagens interessantes. É uma obra recente, que ainda está em andamento no Japão e, por aqui, já saíram 5 volumes pela Panini Comics. Essa é outra razão para indicar a leitura: para quem se interessar, é possível encontrar todos os números nas comics shops e livrarias.

A proposta do mangá é intrigante, criativa e até ousada – o que gerou, quase que inevitavelmente, uma certa polêmica.

Aqui, acompanhamos a tripulação do Quin Zaza, uma espécie de barco voador, tipo um dirigível, em sua busca pelos dragões de um mundo fantástico. A missão desse navio é caçar implacavelmente dragões para vender sua carne. É, portanto, um empreendimento que vive do abate desses animais voadores fabulosos.

O autor dá muita importância à “vida a bordo” da aeronave, onde caçadores, cozinheiros, navegadores, pilotos e jovens aprendizes percorrem os céus de um planeta Terra muito semelhante ao nosso, mas ambientado em uma época não específica, equivalente ao final do século XIX talvez?, mas certamente antes das últimas revoluções tecnológicas.

Parte do trabalho da tripulação é cortar os bichos…

Sem dúvida, é uma leitura indicada para quem gosta de uma fantasia leve, sem superpoderes, onde uma das grandes curtições é descobrir, aos poucos, “como funciona” esta Terra, cuja sociedade foi extremamente impactada pela presença desses seres colossais, quase mágicos e pouco compreendidos.

Há dragões de formas e tamanhos muito diferentes e completamente inesperados. É uma abordagem criativa do mangaká. Afinal, o mais óbvio seria povoar o mundo com dragões ferozes, devoradores de humanos (como os das histórias tradicionais), ou então com malignos cuspidores de fogo, astutos, falantes e apreciadores de ouro (como Smaug, de O Hobbit). Na prática, estes dragões são parte da fauna local e funcionam do mesmo modo que qualquer outro filo animal: não são “maus” nem “bons” – apenas vivem em seu ecossistema, co-habitando com os pássaros.

Taku Kuwabara trabalha muito bem o world building, revelando suas características pouco a pouco, desde pequenos detalhes da rica culinária, até a enorme variedade de tipos de dragões; e distingue também uma cidade das outras, é cuidadoso com ocupações e profissões diversificadas dos habitantes, e gasta tempo ainda com a tecnologia, ferramentas, roupas e acessórios, tudo com um quê de steampunk.

Desde a capa, é impressionante seu lápis, sempre detalhista, tanto nas grandes paisagens como no interior da nave, das casas, no design intrigante dos dragões (alguns deles se parecem com moluscos, outros com um misto de peixe e baleias, outros são monstruosos mesmo!) e é ótimo na expressividade dos personagens e na narrativa. Lembra bastante o traço do Hayao Miyazaki. A propósito, os temas trabalhados – como o embate entre civilização e natureza, selvageria e bondade -, também coincidem com os do mestre da animação mundial.

Em suma, este é, sem dúvida, um dos mangás mais bonitos que já vi!

Outra qualidade deste quadrinho é que a história não foca em um único personagem; há um balanceamento entre os vários membros da tripulação e, conforme as edições avançam, ficamos sabendo mais das razões para cada um se alistar no Quin Zaza.

Na edição 3, uma tocante história em que Takita convive com um Bebê Dragão

Uma das mais jovens, por exemplo, Takita, é uma aprendiz, e ganha bastante espaço na edição #3 – minha favorita até agora – onde sem querer acaba se afeiçoando a um bebê dragão, que a conduz a uma experiência desconcertante.

Outros dois personagens em destaque são os caçadores veteranos Mika e Vanney. Ele, fascinado pela gastronomia em torno da carne de dragão; e ela, misteriosa e durona, ganha relevância a partir da edição #4, outro capítulo excelente, com mais ação e discussões sobre o papel desses animais.

Caçando Dragões é uma ótima HQ de aventura sim, mas é também uma alegoria à cultura da Caça às Baleias que, embora hoje nos pareça cruel e sem sentido, foi muito importante para grande parte do povo japonês, mas não só. Noruega, EUA, Portugal, Islândia, Espanha, Inglaterra… em determinados períodos históricos, especialmente entre 1700 e meados do século passado, a caça às baleias movia multidões e uma ampla economia em dezenas de países, inclusive em trechos do nosso litoral nordestino.

Felizmente, hoje a prática está quase completamente eliminada, e o consumo cai ano após ano. Por pouco as baleias não foram extintas e agora estão em processo de recuperação lenta e gradual.

Na verdade, os dragões do mangá “funcionam” de modo semelhante às nossas baleias no passado recente: são iguarias e fonte de energia, couro, ferramentas, abrigo, e cuja carne poderia alimentar vilas inteiras por meses.

Um dos primeiros dragões capturados por Mika

A polêmica citada é que o autor parece “promover” ou, mais comum de ver entre youtubers brasileiros, usa o mangá para criar uma certa “romantização” da indústria baleeira. As receitas com carne de dragão que marcam a passagem entre os capítulos seriam um exemplo concreto disso. Em outras palavras, a HQ tentaria transformar esse crime ecológico em algo menor, mais “bonito” do que deveria.

Embora seja um argumento compreensível isto é, afinal, uma obra de ficção: uma fantasia sobre um mundo alternativo onde dragões (e não baleias!) são animais desejados, mas ainda incompreendidos e temidos, que podem destruir vilarejos em surtos inexplicáveis.

Pessoalmente, acho pueril “deixar de ler” por causa disso. Por um lado, a obra ainda está incompleta e, por retratar um ambiente no passado, com ampla ignorância da população sobre esses seres, pode trazer reflexões ecológicas importantes para seus personagens (e leitores). Aliás, é bom ver dragões serem abordados como animais porque traz empatia – vi vários relatos de gente que “sentiu pena” do abate dos bichos, algo que eu também senti várias vezes.

Ou seja, o autor conseguiu trazer esse sentimento (o que não é fácil) e não parece algo sem propósito, gratuito. Sendo intencional, portanto, não é uma virtude do quadrinho? Por analogia, não nos faz sentir pena também das baleias? E as receitas com “carne de dragão” imediatamente nos fazem refletir: para fazer aqueles pratos poderia ser a carne de qualquer animal, não?

Indo além: por outro lado, O Poderoso Chefão “romantizou” a máfia e nem por isso seus fãs “apoiam criminosos”, correto? Há centenas de histórias em quadrinhos que “romantizam” vigilantismo, milícias, guerras, ditadores… e nem por isso o leitor que gosta dessas obras estaria apoiando tais práticas na “vida real”. Ou seja, é possível, e até fácil, separar as coisas. Sou totalmente contra a caça de animais silvestres, mas posso curtir esta leitura ficcional!

Enfim, Caçando Dragões é um mangá que cutuca, traz sentimentos diversos, é lindo, é intrigante, e é gostoso acompanhar o dia a dia dos personagens e desvendar este mundo e suas criaturas – todas elas!

Netlfix bancou a produção do Anime que começou neste ano

Em todo caso, recomendo a leitura tanto pelas qualidades do quadrinho em si, como também pela abordagem diferenciada e humanizada. Afinal, aqui não há superseres capazes de devastar planetas. São homens e mulheres simples, com grandes habilidades sim, mas cheios de falhas, com seus dramas, paixões e segredos.

Ah, o anime patrocinado pela Netflix entrou em exibição em 2020 no Japão, e vou ficar na torcida para sair também no Brasil.

Leituras para a Quarentena #02: Verões Felizes

Capa do primeiro volume

Olá pessoal, espero que todos estejam bem!

Vamos à nossa segunda indicação da série Leituras para a Quarentena e já esclareço que Verões Felizes não só merece entrar nesta como em qualquer lista de “obras mais bacanas dos quadrinhos”!

Só lembrando – caso você não tenha visto o post anterior – , as leituras aqui sugeridas em geral vão ter um caráter mais leve, mais positivista, para quem sabe alimentar nossa necessária esperança em dias melhores. E esta aqui, em especial, é uma obra que pode ser indicada para qualquer ser humano que queira se sentir bem!

É, inclusive, uma pedida muito interessante para aqueles que não gostam de histórias em quadrinhos.

Verões Felizes 1: Rumo Ao Sul é uma Graphic Novel curta, com apenas 64 páginas, lançada originalmente no mercado Franco-Belga em 2015 e que fez tanto sucesso que já gerou quatro sequências, tão deliciosas quanto a primeira.

Esta série da mega editora parisiense Dargaud, escrita pelo prolífico belga Zidrou, desenhada pelo espanhol Jordi Lafebre e com ótimas cores dele mesmo e de Mado Peña, não contém ação, terror, suspense, reviravoltas; não há um único tiro, nem cenas chocantes – e é exatamente aí que reside sua originalidade e frescor.

Verões Felizes retrata o cotidiano de uma família classe média belga em seus momentos de férias de verão, quando costumam se dirigir ao sul da Europa, em busca de calor e do mar. No caminho, há sim uma leve dose de aventura, mas totalmente “pé no chão”, com uma mistura de humor e drama, onde conheceremos os sonhos e as frustrações dos personagens – ou seja, exatamente como na maioria das famílias do mundo – ou pelo menos entre aquelas de estilo de vida ocidentalizado, talvez?

Vejamos: Pedro, o pai, é um espanhol que vive na Bélgica e desenha histórias em quadrinhos, produzindo arduamente para outros mas que também tem criações autorais, embora sem nenhum sucesso. Sua esposa, Madô, é vendedora infeliz em uma loja de sapatos. Louis, o único garoto, é um leitor compulsivo de quadrinhos do Lucky Luke e conversa com um amigo imaginário. As duas irmãs mais velhas, Nicole e Julie, vivem discutindo por qualquer coisinha, mas adoram batatas fritas com maionese, enquanto a caçulinha e fofa Paulette está ainda aprendendo as palavras e, principalmente por isso, é responsável por algumas das cenas mais despretensiosamente engraçadas.

Louis é um ávido leitor de quadrinhos

Com texto ágil e desenhos bem bonitos, é uma leitura rápida, prazerosa e que suscita doces memórias.

Aliás, esse é um ponto importante.

Como disse, acho que todos os públicos podem curtir mas, imagino que, quanto mais velho o leitor, mais poderá apreciar a obra, simplesmente porque terá um maior volume de emoções despertadas.

Isso porque a HQ é pura nostalgia.

Como a abordagem de Zidrou remete a uma forma de passar o verão em família, o quadrinho traz basicamente dois pontos de vista: do casal e das crianças. Assim, se você já for um pai ou uma mãe, portanto, vai conseguir resgatar suas memórias da infância e, ao mesmo tempo, poderá se identificar também com a visão das férias dos adultos.

Os passeios da família Faldérault são por cenários da Europa Ocidental e Mediterrânea – claro, um pouco diferentes dos nossos – , mas o “espírito” é o mesmo: se lá eles curtem banhos em rios, piqueniques na beira de lagos ou no quintal de alguém, além de paradas em campings estratégicos, seria o equivalente (ao menos para muita gente aqui do estado de São Paulo) aos passeios pelo litoral ou aquela temporada na chácara ou no sítio de um tio ou avô no interior.

O casal rememora suas férias em família

Como estou na casa dos 40 anos, casado e com filhos, “me projetei” muitas vezes no entusiasmo das crianças, em geral alheias aos problemas dos adultos.

Meus verões da infância foram particularmente marcados pelos dias e noites quentes de Caraguatatuba, com primos, avós, tios e muito sorvete, banho de mar, castelos na areia, idas ao parque de diversões e passeios no calçadão. Ler Verões Felizes é mesmo uma deliciosa viagem ao melhor do passado.

Interessante que a HQ parte de um argumento simples, mas sua realização não tem nada de simplória: o cotidiano é retratado de maneira bela, delicada. O roteiro e a arte trazem cuidados sutis na construção das personalidades de cada membro da família, com destaque para a difícil tarefa de distinguir, de tornar única, cada uma das crianças.

Zidrou foi professor e certamente sua experiência prévia o ajudou nisso. A propósito, o roteirista hoje vive exclusivamente de seus textos para quadrinhos, tendo acumulado uma vasta produção exatamente para crianças e adolescentes e, só mais recentemente, álbuns também para adultos. Esse histórico me instigou a procurar outros trabalhos do belga.

E os desenhos? Impossível pensar em outro artista para retratar esta simpática família. Jordi é um espanhol que também teve experiência com literatura infantil e é professor de arte. Capaz de muita leveza e com uma narrativa fluida, seu ponto forte, sem dúvida, é a expressividade que consegue imprimir em todos os personagens e, certamente, a capacidade de fazê-los “gente como a gente”.

A expressividade dos personagens é um dos pontos fortes do traço de Jordi

Verões Felizes é publicado pela SESI-SP Editora, com tradução de Fernando Paz, e  no Brasil foram lançados os três primeiros Álbuns:

1. Rumo ao Sul é sobre o Verão de 1973.
2. A Calanque, sobre o Verão de 1969.
3. A Senhorita Estérel, sobre o Verão de 1962.

Cada álbum pode ser lido de maneira independente mas, na medida do possível, sugiro pegar a primeira edição. Por não ser capa dura e ter várias reimpressões é fácil encontrar com bons descontos nas livrarias virtuais. Prefiro comprar meus quadrinhos e livros no mundo real mas, como estamos em quarentena, essa é a única opção no momento.

Se puderem, procurem livrarias e comic shops independentes. É legal dar uma força para os pequenos, ainda mais agora!

Leituras para a Quarentena #01: Bone.

Olá pessoal, espero que todos estejam bem!

Conforme prometido, vamos começar uma série de indicações de Histórias em Quadrinhos especialmente pensadas para quem está com um tempinho a mais sobrando, por conta da quarentena imposta por esta terrível crise sanitária mundial.

A célebre “corrida de vacas” é o destaque da capa do Box da edição brasileira.

Estamos atravessando um período conturbado, tenso, atípico e, talvez mais angustiante, um momento em que ainda não é possível prever até quando irá durar e que, inegavelmente, trará mudanças irreversíveis em diversas áreas das nossas vidas, inclusive transformações comportamentais e de convivência no trabalho, na escola, com a saúde, com o tempo, com o consumo, etc.

Claro que muitos precisam sair para trabalhar, e alguns estão trabalhando mais do que nunca – e não estou me referindo apenas aos profissionais de saúde ou de outras áreas essenciais, como segurança, energia, internet – porque mesmo para quem está em Home-Office, o volume de atividades pode ser intenso, restringindo o tempo para leitura e outras formas de lazer e entretenimento.

Por conta de tudo isso, acho mais recomendável indicar leituras com um caráter otimista – ou melhor, mais para o leve e menos para o angustiante -, e que em geral traga uma perspectiva de esperança em dias melhores que, temos certeza, virão!

Bone, de Jeff Smith, é uma obra que transborda esperança e ainda traz muitas doses de aventura e comédia, embaladas em uma fantasia medieval, claramente inspirada em Senhor dos Anéis, mas com personagens muito carismáticos, únicos, que vão fazer o leitor sentir saudades depois de concluída porque sim – ela tem um começo, meio e fim definitivos. Não haverá Parte 2 ou continuação. É, vejam só, uma obra finita! – coisa rara na Cultura Pop.

Uma das terríveis Ratazanas carnívoras

Jeff Smith publicou sua bela obra-prima de maneira esparsa nos anos 90 e só conseguiu concluir no começo da década de 2000 – exatamente na contramão do que mais se consumia na época, ao menos no mercado norte-americano.

Enquanto os super-heróis vendiam milhões de exemplares em um mercado crescentemente especulativo, com suas múltiplas edições #01 e capas metálicas, com cópias abundantes e sem graça do Wolverine, Justiceiro e X-Men na Image e outras editoras nascentes, e as próprias Marvel e DC transformavam seus ícones em versões extremas; com a “morte” do Superman; a “coluna partida” do Batman e com os “clones” do Homem-Aranha; e HQs “adultas” repletas de sangue e de subversões do lado alternativo, Bone surgiu como um audacioso ponto de luz, uma “peça de resistência” à todo esse cenário, com uma nova e autêntica abordagem, a partir de personagens inéditos “fofinhos”, que conversam com animais (?!), publicado de forma independente, em preto e branco e papel barato, tudo bancado pelo próprio autor e sua esposa.

Mas eis que o título, que saía de forma irregular, com baixa tiragem, distribuída em um restrito circuito de Comic Shops e pequenos eventos, aos poucos foi chamando a atenção dos leitores, da crítica especializada e não tardou para cair nas graças de quadrinistas famosos, que passaram a recomendar e a elogiar a obra e seu criador, Jeff Smith. Não custa contextualizar: isso tudo foi antes da internet, de smartphones e redes wi-fi.

E então vieram as premiações, que se acumularam ao longo de toda a sua publicação: venceu 11 prêmios Harvey (!) e 10 Eisner (!!). Editado em 25 países, vendeu milhões de unidades e ainda foi indicado pela revista Time como um dos 10 melhores quadrinhos de todos os tempos!

O Dragão Vermelho, Fone Bone e a adorável Espinho

Nada mal para um quadrinho independente de bichos falantes, mas é perfeitamente compreensível entender o porquê do seu sucesso quando o leitor encara a bela versão brasileira da Editora Todavia, que compila a obra completa (pela primeira vez no Brasil) em 3 volumes, com tradução de Érico Assis. Eu peguei na versão Box, completinha, em uma boa promoção uns meses atrás.

Não vamos entrar em detalhes, mas “Bone” na verdade refere-se ao trio de protagonistas, os primos Fone, Phoney e Smiley, pertencentes a uma espécie curiosa de seres, ou talvez seja uma raça de pequenos humanos (não é explicitado isso em nenhum momento e, de fato, é parte do charme da aventura), desenhados em forma de Cartum, com as características de personagens da Disney ou da Turma da Mônica, ou até de tiras de jornal mais simples do começo do Século XX, com traços nem um pouco sofisticados, mas que por isso mesmo trazem uma autenticidade e um frescor ao quadrinho.

Interessante também acompanhar a evolução técnica de Smith, que nos primeiros números ainda se esforçava com a narrativa, às vezes truncada, e com um roteiro meio vago, com enxames de gafanhotos aleatórios, animais falantes, ratazanas gigantes abobadas e uma vovozinha e sua neta vivendo isoladas no meio de uma floresta.

Não deixe esse começo meio morno afastá-lo dos capítulos seguintes, ó fiel leitor! Aos poucos, a história ganha dramaticidade, inúmeros personagens surgem, quase sempre muito bem delineados, e quando o roteiro aponta uma jornada épica, aí sim, fica difícil deixar de concluir a leitura.

Nas páginas internas percebemos a influência do mestre Barks

Não é uma HQ sem falhas. Mesmo lá na parte final, algumas páginas parecem redundantes, as ameaças, às vezes repetidas, mas logo surge um diálogo esperto, um feito impressionante ou uma situação engraçada que faz com que a gente releve essas pequenas inconsistências.

Bone é indicado para qualquer faixa etária e pode sim ser uma porta de entrada para aqueles que abandonaram quadrinhos na infância e gostariam de retornar, mas não se empolgam com os intrincados universos de super-heróis, ou procuram algo menos pretensioso ou denso como os trabalhos de Alan Moore ou Grant Morrison. Certamente é uma boa pedida para fãs de RPGs, de Tolkien, imperdível para quem adora as aventuras dos Patos de Carl Barks (talvez a maior referência estética e no storytelling de Jeff Smith) ou de uma aventura leve sim, mas encantadora.

De todos os quadrinhos que li recentemente, Bone vira e mexe volta à minha lembrança, e um sorriso automaticamente aparece. Vale a pena embarcar na saga aparentemente inexistente (a julgar pelas capas rsrs) mas completamente viciante que os simpáticos e encrenqueiros Bones e sua imensa trupe de amigos e inimigos humanos, animais de todos os tamanhos, dragões e outros seres mágicos trazem nestas mais de 1.300 páginas de histórias em quadrinhos.

Indicação de Leituras para 2020!

Olá pessoal. Espero que estejam todos bem!

Vou retomar as publicações aqui no Blog, sugerindo leituras, escrevendo resenhas, comentando sobre quadrinistas e outros assuntos relacionados ao mundo, ou melhor, ao universo inesgotável e encantador das histórias em quadrinhos.

Estive bem ocupado nos últimos meses, por conta de trabalho mesmo… e, na verdade, continuo. Mas, graças ao confinamento, sou obrigado a ficar online quase o dia inteiro. Então, vou aproveitar para deixar o Lendo Quadrinhos vivo.

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Sonho é ler quadrinhos até a velhice…

Os Vingadores #3 – Panini Comics (2019)

Mais uma breve análise do primeiro arco desta mensal dos Vingadores – que ganhou força nos dois capítulos aqui contidos. Confira!

Na capa da edição #3 temos Odin e a chamada “A Origem Secreta do Universo”

Jason Aaron realmente não gosta de pensar pequeno. Quem leu suas recentes passagens por Doutor Estranho, Thor ou até mesmo o seu já longínquo trabalho com o Motoqueiro Fantasma (2008) sabe disso. Com os Vingadores dominando o mundo em popularidade há muitos anos, ele de fato pensou grande – vai ser difícil superar o tamanho da ameaça deste primeiro arco do roteirista com a equipe.

Os Celestiais são uma intrigante criação de Jack Kirby e permeiam as sagas cósmicas da Marvel esporadicamente, mas até então os argumentistas evitavam entrar em detalhes de sua origem ou quais segredos continham. Kirby inicialmente trabalhou os sempre mudos e enigmáticos Celestiais na revista dos Eternos (nos anos 1970), uma super raça criada por esses Deuses Espaciais a partir de proto humanos.

Como vimos desde o especial Marvel Legado, a proposta de Aaron é que há 1 milhão de anos atrás a Terra teria sido ameaçada por um desses Celestiais, ou pelo menos foi esse o julgamento de um grupo de entidades e avatares que, naquela ocasião, se uniram e o aniquilaram.

No primeiro capítulo desta terceira edição de Os Vingadores (Maio/2019), chamado “Uma batalha que foi perdida 1 milhão de anos atrás”, conhecemos detalhes do que aconteceu em seguida à morte daquele Celestial e aprendemos um pouco mais sobre cada um dos seres lá reunidos. Quem conta é o próprio Odin, que liderou a equipe, para seus visitantes no presente: seu filho Thor e a Mulher-Hulk.

Aprendemos um pouco mais sobre a primeira “formação” dos Vingadores.

A história avança com velocidade e há bastante ação, tanto no passado quanto no presente, onde os membros da equipe estão divididos, correndo contra o tempo para tentar conter as duas grandes ameaças apresentadas: a da Última Expedição – um grupo de Celestiais malignos que chegaram à Terra logo após dezenas de outros Celestiais, dos tradicionais, caírem mortos do céu; e a ameaça da Horda – um enxame de criaturas que irromperam do centro da Terra e, de alguma forma, está associada aos gigantes recém-chegados.

Aaron e seus desenhistas, Ed McGuinness e Paco Medina, criam bom drama em vários momentos, inclusive com o triste estado em que se encontram os Eternos. Impossível não esquecer que a Marvel Comics trouxe à tona esses personagens obscuros poucos meses antes dos mesmos serem anunciados como a próxima grande aposta da Marvel Studios nos cinemas (o filme dos Eternos está em produção).

Acredito que alguns dos conceitos destas revistas serão explorados no Universo Cinematográfico também, em pequenas doses, como é de praxe do estúdio, até algo mais bombástico lá na frente.

Arte dinâmica de uma das capas de Ed McGuinness

A explicação que Jason Aaron traz é, novamente, resultado de uma aposta gigantesca, mas calcada em pistas deixadas pelo próprio Jack Kirby no seu título dos Eternos, além de outras histórias de vários criadores diferentes. Há questões envolvendo a(s) Fênix, o(s) imortais Punhos de Ferro, o legado do Pantera Negra e do Deus Pantera, Aggamotto, a entidade que criou o “Olho” usado pelos Magos Supremos, os Espíritos da Vingança que alimentam os Motoqueiros Fantasmas e até mesmo Estigma, uma criação que eu gostava muito do Novo Universo de Jim Shooter (1986), cujo conceito foi reincorporado ao universo Marvel tradicional pelo grande Jonathan Hickman há alguns anos atrás, em outra fase marcante dos próprios Vingadores.

Sim, pode parecer muita coisa – e de fato é – mas acredito que esta história flui sem criar grandes dúvidas a ponto que a impeça de ser compreendida para novos leitores dos quadrinhos Marvel.

Juntar todos esses personagens e suas mitologias aos Eternos, aos Celestiais e – como a história vem desenvolvendo – de um modo tangencial aos Asgardianos, é um risco assumido pelos autores e a editora que podem desagradar a alguns dos fãs mais antigos mas, pelo menos até o momento, na minha opinião me parece positivo e abre possibilidades de centenas de histórias para diversos personagens.

O segundo capítulo (edição #5 do título original The Avengers) aprofunda a conexão entre os Celestiais e a Horda e traz logo nas primeiras páginas uma revelação que aparentemente esclarece o porquê da proliferação dos seres superpoderosos da Terra Marvel, um aspecto obviamente grandioso (de novo!) que a premissa pedia e o autor não se furta de entregar.

Contudo, Aaron habilidosamente traz essa novidade pela boca de Loki (o narrador em off da edição anterior) o que pode, em último caso, ser uma mentira ou, mais provavelmente, uma meia-verdade, algo que o próprio Capitão América pondera.

Conheçam… o Progenitor!

Algumas situações são resolvidas e a revista se encerra com uma splash page dupla inesquecível, um cliffhanger chocante, que deixa alguns de nossos heróis com um nível bizarro e inédito de poder. O roteirista mais uma vez demonstra uma grande capacidade de criar momentum, ao finalmente fazer com que os super heróis do presente se reúnam de modo espetacular, e acerta nos diálogos afiados, bem melhores e “no ponto” que na edição anterior.

Antes de concluir, preciso elogiar novamente o trabalho com cores de David Curiel, que opta por uma explosão de energia e vivacidade. É um estilo que combina com a arte cartunesca de McGuinness e Medina sem parecer artificial. A equipe criativa é sem dúvida de alto nível e capacitada em lidar com os temas grandiosos abordados, fazendo deste primeiro arco, até aqui, uma leitura mais do que divertida – diria até essencial – para os fãs da Casa das Ideias. Vamos ver a conclusão deste épico na próxima edição.

Nota: 7,5.

Os Vingadores #2 – Panini Comics (2019)

Avançamos com a leitura do primeiro arco da nova revista dos Vingadores. Confira nossos comentários nesta Resenha praticamente sem spoilers de um dos principais títulos atuais da Marvel/Panini.

Capa da edição #2 de Ed McGuinness

Vale lembrar que este material corresponde à fase batizada em 2018 nos EUA como Fresh Start, que zerou todos os títulos da Marvel Comics e que foi (e ainda é) um grande sucesso de vendas, em parte por ter recuperado alguns personagens nas suas versões mais icônicas.

Alguns desses títulos, como o Imortal Hulk, Venon e Capitão América, também são sucesso com a crítica especializada mas, de verdade, toda fase tem alguns títulos melhores e piores, e a maioria fica mesmo em uma avaliação mediana.

Os Vingadores (The Avengers) escrito por Jason Aaron, um dos mais celebrados nomes dos quadrinhos americanos dos últimos tempos, não figura entre os mais bem avaliados pelos resenhistas norte-americanos, mas também dificilmente leva notas baixas.

Na minha opinião, este primeiro arco começou muito bem na edição #1, mas aqui perde um pouco sua força. Ainda é divertido, mas seu desenvolvimento em termos de roteiro e arte deixa um pouco a desejar.

A nova formação conta com vários pesos-pesados da Marvel. Arte de Paco Medina.

A revista está cumprindo a promessa inicial: revelações sobre os “Vingadores de 1 milhão de anos atrás” ao mesmo tempo em quem uma nova formação dos “Vingadores do presente” é construída, calcada exatamente no retorno da primeira grande ameaça enfrentada pelos seus antepassados heroicos que, diga-se de passagem, não se chamavam Vingadores: era um grupo improvisado de Entidades e Avatares que conseguiram derrotaram um Celestial ferido.

Esta edição #2, lançada em Abril/2019, traz os Capítulos 2 e 3 do arco, chamados: “Ainda Vingando Após Todos Esses Anos” – desenhada por Ed McGuinness com arte-final de Mark Morales e Jay Leisten; e “Aonde Deuses Espaciais Vão Para Morrer” – em que McGuinness alterna com o competente Paco Medina, dono de um estilo semelhante que permite, assim, uma agradável unidade narrativa. As cores de ambos os capítulos são de David Curiel e são muito vivas e impactantes – há quadros que realmente “saltam aos olhos”.

Logo no começo, há uma narração em off, que descreve os acontecimentos para o leitor com muito sarcasmo e ironia: um grupo de Celestiais Malignos surge logo após uma enorme quantidade de outros Celestiais – do tipo mais, digamos, tradicional, terem caído na Terra por buracos dimensionais no céu; os 3 Vingadores mais emblemáticos, Thor, Capitão América e Homem de Ferro novamente reunidos (após os eventos da Guerra Civil II e do Império Secreto), enfrentam esses novos Celestiais; e aos poucos outros heróis também são obrigados a agir: a Mulher-Hulk, Capitã Marvel e o novo Motoqueiro Fantasma, Robbie Reys.

A Mulher-Hulk no modo “Selvagem” enfrenta o novo Motoqueiro Fantasma na arte de Ed McGuinness

Obviamente, o narrador será revelado no final do capítulo e, embora até funcione, eu não gostei muito do resultado dessa abordagem. Acho que Aaron não captou tão bem assim a “voz” desse que é um personagem-chave na história dos Vingadores. Os textos esbarram em clichês e soam pueris.

No capítulo seguinte, descobrimos o nível absurdo de poder dos Celestiais Malignos e todos os heróis finalmente se encontram, inclusive Pantera Negra e Doutor Estranho. Novamente, achei que Aaron escorregou em algumas abordagens, como no excesso de piadinhas forçadas de Stephen Strange. Por um lado, temos uma ameaça colossal e inédita para a equipe, que traz muita seriedade de um Capitão América e de uma Carol Danvers; e de outro temos vários heróis fazendo gracinhas a la Homem-Aranha: Stark, Estranho, Motoqueiro… como o estilo do desenho é também cartunesco, a ameaça perde força, quase parecendo banal.

No geral, gosto da arte de McGuinness pelo seu dinamismo: há algumas cenas muito bem feitas, especialmente de ação, e ele entrega um bom storytelling. Seus Celestiais certamente impressionam, e gostei da sua versão do Capitão, do Thor e principalmente do Motoqueiro Fantasma; já seu Homem de Ferro ficou um pouco esquisito, com a armadura parecendo de brinquedo.

Robbie Reyes, o Motoqueiro Fantasma que na real pilota um Charger!

Medina, o outro desenhista, procura emular ao máximo essas representações. A única que fica um pouco diferente é a Mulher-Hulk, uma personagem que passou por modificações recentes em seu status quo e agora tem uma atitude similar à do Hulk (Banner) clássico selvagem, pouco racional e disposta a esmagar tudo primeiro e perguntar depois. Não é, definitivamente, o meu retrato preferido da Jenniffer Walters.

O final deste capítulo traz alguns bons momentos, que fazem a história avançar, como Thor tomando a súbita decisão de levar a Mulher-Hulk com ele para ter uma conversinha com Odin; e Doutor Estranho e Homem de Ferro partirem atrás dos Eternos, chamados por Stark de “os especialistas” em Celestiais. Os diálogos também melhoram, mais adequados ao espírito da equipe e do perigo aparentemente sem solução que enfrentam.

Apesar das críticas, o nível da ameaça representado pelos Celestiais Malignos, chamados de A Expedição Final (leitores dos Eternos de Jack Kirby curtirão a referência!) e as (poucas) revelações adicionam interesse em acompanhar o desfecho. Em breve, volto com as resenhas das edições #3 e #4, onde este arco se conclui.

Nota: 6,0.