Leituras para a Quarentena #04: Skybourne

Esta recomendação de leitura para a quarentena é um pouquinho diferente das anteriores: tem bastante violência gráfica, sangue, mortes e monstros mas, ainda assim, acho que se enquadra em leituras “menos tensas” porque essas características gore servem a um humor negro nem tão seco, nem tão refinado, que criam uma HQ deliciosamente pop e moderna, de leitura fluida, repleta de ação.

Comic Book Cover

Capa da edição brasileira

Skybourne é o mais recente trabalho autoral de Frank Cho, o artista coreano-americano notório por curtir desenhar criaturas monstruosas e corpos torneados.

Cho tem uma longa carreira nos quadrinhos mainstream, notadamente na Marvel e, embora tenha produzido mais como desenhista (suas capas são muito requisitadas), é também roteirista e criador, tendo recebido destaque pela primeira vez graças à sua tira de jornal Liberty Meadows (1997-2001) que, por sinal, saiu em versão encadernada no Brasil pela HQM Editora.

Mas do que se trata este quadrinho?

Grace Skybourne em ação!

Skybourne é o sobrenome de três irmãos imortais dotados de força super humana e pele impenetrável, que seriam filhos de Lázaro (da Bíblia, talvez?) e parecem ter conexões com os Mitos Arturianos.

Neste Volume #01 (e, até o momento, único produzido!), que dá para ler em “uma sentada”, acompanhamos o paradeiro de dois deles – Grace e Thomas – que trabalham para a agência Topo da Montanha, operada por uma Fundação ligada ao Vaticano, que captura monstros e elimina outras ameaças à vida humana.

Monstros e Mitos recheiam a HQ do começo ao fim

Gostei bastante do ritmo frenético, da arte elegante e da ação vertiginosa com algumas breves pausas para conhecermos melhor o passado dos protagonistas – além dos dois super irmãos, há um padre (!) irônico, debochado e galanteador (!!) que é uma espécie de consultor (!!!) da agência caça-monstros e amigo de longa data dos Skybourne.

Frank Cho é obviamente um ilustrador de mão cheia, mas é interessante notar como sua narrativa está sempre evoluindo. Este trabalho é realmente um ponto alto na sua carreira.

Opa, assim como no Post anterior, aqui também temos Dragões, mas estes são do tipo clássico!

O quadrinista conhece seus limites e, corretamente, não faz textos densos ou elaborados, pelo contrário: prefere entregar um roteiro simples, enxuto, mas com um conjunto de poucos e bons personagens que, se não imediatamente cativantes, são intrigantes o suficiente para nos importarmos com eles. De fato, os super irmãos parecem saber muito mais do mundo que qualquer outra pessoa e ainda assim – ou por isso mesmo – carregam um enorme peso nos ombros.

Aqui, Frank Cho concebeu, roteirizou, desenhou e arte-finalizou os cinco capítulos que compõem o “arco de lançamento”, conteúdo deste encadernado capa-dura. As cores, contudo, ficaram a cargo do brasileiro Márcio Menyz, que realmente fez um belo trabalho, capaz de ressaltar todos os personagens – mesmo quando há dúzias no mesmo quadro -, além de criar um “clima” próprio, único, que traz ainda mais personalidade para a obra.

Lápis e arte-final de Cho, antes das cores de Márcio

O quadrinho foi editado pela Boom! Studios nos EUA e saiu aqui em 2019 pela Editora Mythos sob o selo Prime Edition – que traz arcos fechados no formato americano, capa dura, com bom papel e acabamento, mas econômico nos extras.

Bela HQ. Vontade de ler a continuação. Só não é possível saber quando isso vai ocorrer porque, até o momento, Frank Cho não confirmou nada nesse sentido. Fico na torcida.

Nota 8,0.

Nosso primeiro Evento de Quadrinhos será neste sábado, 24.11, participe!

Olá pessoal tudo bem?

Organizamos uma pequena mas muito honesta Feira de HQs que acontecerá neste sábado 24.11 no Colégio Liceu Pasteur, na Vila Mariana, aqui em São Paulo.

Feira de HQs no Liceu

Quem quiser bater um papo com colecionadores de quadrinhos, editores e outros entusiastas, por favor sejam bem-vindos!

O evento será das 9h às 12h30.
Endereço: Rua Mairinque, 256, Vila Mariana (entrada pelo portão lateral da Rua Diogo de Faria).

Vale a pena ainda aproveitar HQs com grandes descontos das Editoras Mythos e Cia. das Letras (Selo Quadrinhos na Cia) que estarão com estandes.

O quadrinista Felipe Folgosi também marcará presença e comentará com pais, alunos e visitantes sobre o processo de criação e produção de uma HQ nacional na atualidade, além de autografar suas próprias obras.

O roteirista Felipe Folgosi

Este será o primeiro de vários eventos que pretendemos realizar em colégios a partir de 2019. Entrada franca.

A Nova Heavy Metal Brasileira

Sláine é a estrela da capa da nova versão da Heavy Metal BR

A editora Mythos lançou, agora em agosto de 2018, a primeira edição da nova versão brasileira da célebre revista Heavy Metal. Estão programadas outras 4, compondo assim uma “1ª Temporada”. Todas as histórias contidas nesta #1 são da Britânica 2.000 A.D., uma publicação longeva que, desde os anos 1970, apresenta um mix de personagens criados por diversos quadrinistas. O Juiz Dredd, por exemplo, foi primeiramente lançado na 2.000 A.D. Segue nossa resenha para as 4 histórias selecionadas para este lançamento:

Guerreiros ABC: As Guerras Volganas – Parte 1 (28 pgs)

Pat Mills, o criador de Juiz Dredd, é também o responsável pelos robóticos Guerreiros ABC, cuja primeira HQ foi publicada em 1977 (!). Pelo que pesquisei, esta é a primeira aparição desses intrigantes personagens no Brasil, essencialmente um time de robôs guerreiros dotados de uma poderosa IA.

A Mythos optou para a estréia um arco chamado Guerras Volganas, de 2007, ilustrado por Clint Langley, que trabalha essencialmente com arte digital.
Meu primeiro contato com seus trabalhos foram com as impactantes capas da revista dos Guardiões da Galáxia da fase de Dan Abnett e Andy Lanning, também dos anos 2.000 (vale a pena procurar, bela fase!).

A história – situada em um futuro distante – começa com os Guerreiros em Marte, entregando um dos seus membros para uma instituição psiquiátrica (?!), quando passam a divagar sobre seus tempos nas violentas Guerras Volganas, ocorridas séculos antes.

O foco nesta Parte 1 é no relato de Hammerstein, aparentemente o líder do grupo, que foi um Sargento e o modelo-base de outras 50.000 unidades iguais fabricadas para as Guerras.

Mills estabelece que os primeiros robôs soldados foram desenvolvidos pela URSS no final do século XXI (neste mundo a Guerra Fria continuou por várias décadas), para defesa de seu petróleo dos invasores capitalistas norte-americanos. É um conceito interessante e, dada à imensa quantidade de material já criado, parece que a escolha dos editores da Mythos é bem adequada, não só porque a história apresenta uma arte “comercialmente impactante”, mas como também resgata um momento-chave da cronologia dos personagens que explica muito desta distópica realidade.

Arte interna da história, uma das muitas splash pages de Langley

Quanto aos desenhos, confesso que não sou entusiasta da arte digital nos quadrinhos, salvo em capas ou pôsteres. Contudo, aqui combina muito com a ambientação fria, suja, repleta de aço e titânio, forjas e entulho presentes nas páginas dos Guerreiros, além, claro, de uma associação imediata com a própria marca da revista, embora saibamos que Heavy Metal tenha outras conotações também.

Langley cria várias splash pages, inclusive de páginas duplas, que trazem um forte impacto visual, mas a narrativa em si tem alguns problemas.

Os diversos membros dos Guerreiros possuem personalidades e habilidades distintas, mas por enquanto só dá para termos um vislumbre disso.

Diferente, muito original, bem escrito e ilustrado, gostei deste primeiro contato com os Guerreiros ABC, inclusive do vilão, Volkhan, o líder dos Volganos, cuja foice e martelo ameaçadores e um feroz discurso anti-capitalista traz um charme extra à esta HQ, ainda mais lendo nesta era pós-Guerra Fria, onde a Rússia compete com os USA nos grandes mercados globais!
Nota: 8,0.

Sláine: O Batedor do Gongo (32 pgs)

Outra criação do prolífico inglês Pat Mills, Sláine também apareceu pela primeira vez em uma edição da 2.000 AD, em 1983, sendo esta história de estréia na Heavy Metal criada em 2009 e desenhada pelo mesmo Clint Langley de Guerreiros ABC.

Não conheço nada do universo de Sláine, que remete, sem dúvida, às HQs do Conan, mas ambientadas em supostos reinos Celtas mágicos e, claro, muito violentos e repletos de entidades malignas, guerreiros com armaduras encantadas, monstros e anões, povos indefesos e mulheres atraentes.

Neste momento, o poderoso guerreiro encontra-se em luto pela sua esposa e vaga por Albion Leste, onde se depara com uma enorme torre em reformas, antiga morada de certos Cyths Supremos, seres demoníacos celestiais que outrora dominavam aquelas paragens.

A história em si é simples, e gostei menos do que a anterior. Aqui os problemas de narrativa gráfica de Langley aparecem mais acentuados. As batalhas são confusas, tanto pelas escolhas de quadros como pelo excesso de pretos na arte digital suja, carregada, ora cheia de detalhes e ora nada mais do que borrões, sendo especialmente difícil de entender o duelo principal.

Langley carrega nos tons escuros em outra história com muito metal… mas esta é de Fantasia

Além de utilizar os clichês de fantasia, Pat Mills acrescenta personagens humanos bem estereotipados, e a ameaça, quando surge, é neutralizada rapidamente em uma sequência de splash pages visualmente impactantes, mas emocionalmente nulas.

Contudo, imagino que fãs deste tipo de arte vão adorar – que remete a um certo imaginário do Heavy Metal (digo, do estilo musical), de Tatoos, de videogames pretensamente hiper-realistas, e coisas do tipo. Mas, a história em si é bem esquecível.

Aqui no Brasil esse personagem tem raríssimas aparições (a última pela própria Mythos) mas, ao contrário da HQ anterior, não achei O Batedor do Gongo a porta de entrada mais fácil para criar empatia com o guerreiro. Vamos acompanhar para ver se melhora.
Nota: 6,5.

O Mundos dos Labirintos – O Enforcado (25 pgs)

Alan Grant é um escritor escocês que teve uma excelente fase à frente do Batman nos anos 1990. Na Grã Bretanha, contudo, é mais conhecido por ter escrito diversas aventuras de Judge Dredd, entre outros personagens localmente populares.

Grant escreveu o primeiro capítulo de O Mundo dos Labirintos Mazeworld no original – quatro anos antes da efetiva publicação na 2.000 A.D. Magazine.

Na ocasião, apesar da fantástica premissa, ele não sabia como continuar o desenvolvimento da trama – seus editores o ajudaram. É exatamente essa estreia que temos aqui, com a arte detalhista de Arthur Ranson, que retrata o nosso “mundo real” com muita foto-referência, mas quando embarcamos no fabuloso Mazeworld, ele assume um estilo clássico, daqueles de Hal Foster, com um quê de Barry Windsor-Smith, o que por vezes lembra quadros renascentistas, tamanho o nível de detalhe que o artista emprega na construção dos personagens e suas expressões.

Ranson apresenta uma narrativa segura, sem grandes inovações, entrecortada com splash pages em geral de labirintos psicodélicos.

Das 4 histórias selecionadas pela curadoria da Mythos, esta é a que gostei mais. Um condenado à forca é misteriosamente transportado pelo tempo e espaço (ou será que não?) ao tal Mundo dos Labirintos, onde é confundido (ou é verdade?) com O Encapuzado, um mítico herói que libertaria o povo da opressão de uma raça conquistadora.

Sim, é outra temática bizarra, mas condizente com a “marca” Heavy Metal e tem um ótimo desenvolvimento para um capítulo inicial. A propósito, esta é uma vantagem desta série em relação às duas anteriores: aqui é onde realmente esta história começa! No mais, o roteiro é fluido, com diálogos muito bem escritos e personagens intrigantes.

Splash de Página Dupla com uma visão aérea do fantástico Mundo dos Labirintos

O Mundo dos Labirintos é uma HQ que se encerrou há muito tempo: na Inglaterra a dupla de autores desenvolveu 3 arcos, publicados entre 1996 e 1999.

Vamos torcer para que a nova Heavy Metal venda bem para termos acesso a esse conjunto promissor de histórias criativas, instigantes e belissimamente ilustradas.
Nota: 8,5.

Contos de Telguuth – Um Pouco de Conhecimento (8 pgs)

História curta e extremamente impactante, com um desenvolvimento perfeito entre texto e arte, onde acompanhamos o mago Pel Morgath em busca de (mais) poder.

Foram publicadas 25 Contos de Telguuth até a morte de Steve Moore, o criador da série, em 2014. Moore é um venerado escritor inglês, que nos presenteia com uma história de terror com arte a óleo de Greg Staples, com espaço para um plot twist inesquecível. De certa forma, há uma “lição de moral” como nas Fábulas gregas e medievais, mas esta definitivamente não é para menores.

Um autêntico conto de terror no universo de Telguuth

O autor é considerado um dos mentores intelectuais de Alan Moore que, apesar do sobrenome e do país de origem comuns, não têm parentesco algum entre si.

Para esta série não haverá um único desenhista, mas certamente serão todos no mínimo competentes, o que pode propiciar a entrega de um belo conjunto de fábulas de terror.
Nota: 8,5.

Balanço Final:
No geral, a nova Heavy Metal Brasileira começa bem e, apesar do título mais conhecido ter decepcionado, apresenta um conjunto potencialmente interessante para muitas histórias de qualidade, com roteiristas e artistas de grande qualidade.

Nota final da Edição #1: 7,9.