Quadrinhos Disney Renascem no Brasil!

Às vezes é preciso deixar uma ideia morrer para que essa mesma ideia consiga voltar, no futuro, mais forte do que antes. Pois é exatamente isso o que está acontecendo, neste momento, com os quadrinhos Disney no Brasil.

Uma das caprichadas edições mensais da Culturama

Para quem não costuma acompanhar, as revistas do Pato Donald, Tio Patinhas, Pateta & Cia. eram publicadas “desde sempre” pela Editora Abril. De fato, a primeira publicação impressa da própria Abril foi o número #1 de “O Pato Donald”, em 1950.

Infelizmente, a editora paulistana fez, a partir dos anos 1990, um processo de diversificação para outras mídias e segmentos editorais que, embora muito bem-sucedido no começo, acabou trazendo uma série de dificuldades financeiras nos anos 2000, que culminaram com a dissolução de várias frentes de negócios, inclusive com o fim da divisão de quadrinhos.

As últimas edições Disney da Abril saíram em julho de 2018. Desde então, a empresa foi comprada por um novo grupo controlador que está, de fato, trabalhando para recuperar algumas linhas e revitalizar títulos de revistas periódicas, como a Super Interessante, mas nada de HQs. Será que os leitores brasileiros não teriam mais novas revistas das criações de Walt Disney? Alguma empresa arriscaria com esses personagens aparentemente “micados” por aqui?

A última edição do Pato Donald pela Abril

Após muita especulação, especialmente em torno da gigante Panini Comics, no começo de 2019 o mercado foi informado que os gibis dos patos e dos ratos seriam retomados pela Culturama, uma jovem editora de livros infantis sediada no Rio Grande do Sul que já trabalhava, inclusive, com licenças da própria Disney.

Entre um misto de surpresa, esperança e ceticismo de boa parte dos órfãos da Abril, a Culturama lançou em março de 2019 cinco revistas especiais números zero, e a partir de abril as mensais números #1 propriamente ditas, todas em formatinho, com um bom cuidado gráfico e editorial: Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey, Pateta e Aventuras Disney, ao preço de R$ 6,00 cada. As combalidas Bancas de Jornal voltavam a ter esses produtos queridos por crianças, jovens e adultos.

Este é o sexto título mensal de linha da atualidade

Aos poucos, com um bom trabalho de curadoria, de histórias trazidas especialmente da Itália e da Dinamarca, com boas ações de marketing, pacotes de assinaturas e com a distribuição relativamente azeitada (na medida do possível para os padrões do Brasil), a Culturama passou a lançar edições especiais, como o Grande Almanaque Disney e uma sexta revista mensal, Histórias Curtas. Parecia que, de fato, os esforços de todos – inclusive da adesão dos fãs – estavam dando frutos.

Mas, faltavam ainda algumas coisas para comemorar. E não eram simples.

A primeira delas dizia respeito a uma linha especial de títulos. Explicando: nos seus últimos anos de atividade, a Abril investiu pesadamente em edições “para colecionador” – séries e especiais em capa dura, que traziam histórias ou fases clássicas pelas mãos de grandes artistas, com cores restauradas, em formatos maiores e recheados de extras!

Edição luxuosa que traz compilada a enorme e complexa história do Tio Patinhas por Don Rosa. Um clássico!

Foi um prato cheio para os leitores das antigas, que finalmente podiam ter em mãos todas as histórias produzidas por Carl Barks, Don Rosa, Floyd Gottfredson, dentre outros, e também abriu portas para grupos diversificados de consumidores, que liam Marvel, Vertigo e Bonelli, por exemplo.

Porém, várias dessas belíssimas séries ficaram incompletas, vítimas do fechamento súbito da divisão de quadrinhos da Abril.

Como a gaúcha Culturama não demonstrava interesse em investir nesse nicho, concentrando seus esforços nas mensais e especiais para as bancas e outros canais de varejo, muita gente já tinha jogado a toalha e desistido de ver tais coleções completas.

Uma das séries capa dura retomadas pela Panini

Até que, no começo de 2020, a própria Editora Panini – que, vale frisar, representa as licenças Disney mundo afora – finalmente decidiu investir nesse material, dando sequência aos volumes de onde a Abril tinha parado, mantendo os mesmos padrões gráficos e até lançando novas séries de clássicos, ou seja, republicações em geral.

Aparentemente, essa segunda frente de investimentos em HQs Disney deu uma revigorada na marca e atraiu novos grupos de consumidores.

É possível constatar isso porque, apesar da crise econômica que o país já atravessava, intensificada gravemente pela pandemia, tanto os lançamentos de novas histórias em quadrinhos Disney trazidas regularmente pela Culturama, como os volumes de luxo de republicações da Panini continuam saindo em grandes quantidades.

A própria editora gaúcha revelou que, desde o início dos trabalhos, foram vendidas 1.300.000 (um milhão e trezentas mil) revistas em quadrinhos da marca, um número impressionante!

Certamente, os quadrinhos Disney divididos pela primeira vez entre duas empresas concorrentes podem resultar em ganhos para os leitores – além de diluir os investimentos e riscos do negócio em si.

Série italiana pela primeira vez no Brasil em uma das mais caras edições Disney já publicadas aqui: R$ 99,00!

É possível observar também que a comunidade de leitores hardcore de quadrinhos em geral, que mantém uma ampla publicação de postagens e vídeos nas redes sociais, parece que está dando mais atenção aos títulos desses personagens desde o seu desaparecimento, em 2018. No momento, há uma enorme diversidade de publicações, talvez igual ou superior ao dos últimos anos da Abril, o que não é pouco.

A segunda coisa que faltava para os leitores comemorarem veio em forma de Live promovida pela Culturama no dia 29.07.20 e é, sem dúvida, uma notícia espetacular para o mercado editorial como um todo.

Zé Carioca, um dos mais queridos personagens do panteão Disney, que estava na geladeira há vários anos, vai ter novas histórias e, o melhor, criadas e produzidas no Brasil!

Capa de Aventuras Disney com a primeira HQ produzida pela Culturama, no traço de Moacir Rodrigues

Isso mesmo: roteiristas, desenhistas, coloristas, letristas, revisores, editores e gráficos brasileiros serão os responsáveis pelas suas novas HQs.

A primeira história do Zé sairá em setembro/20 na revista mensal Aventuras Disney, e ao menos outras três estão em produção, sendo esse conjunto a ponta de lança de um projeto mais audacioso: reconstruir os famosos “Estúdios Disney Brasil” originalmente criados pela Editora Abril que, durante as décadas de 1970 a 1990, lançou milhares de páginas memoráveis de quadrinhos, que marcaram uma geração de brasileiros (eu, inclusive) e publicados mundo afora.

Nos anos 80 os quadrinhos Disney com o Selo (B) de Brasil estampados na primeira página eram, para mim, os mais divertidos, criativos, com os personagens mais bem desenvolvidos e desenhados… enfim, eram os melhores e ponto final!

Peninha, Biquinho, A Patada, Zé Carioca, Morcego Vermelho, Donald, Pateta, Margarida, Urtigão, Turma da Pata Lee e muitos outros brilhavam sob a batuta dos brasileiros.

Capa da primeira edição do Urtigão, feito no Brasil

Claro, portanto, que pessoalmente fico muito, muito feliz pela notícia, porque (re)abre oportunidades para artistas e outros profissionais da nossa pequena indústria e que podem, novamente, fazer um material de ótima qualidade, de grande ressonância com o leitor nacional.

É isso, boas novas em meio ao caos! Construção depois da destruição! Então porque não sonhar, agora, com a retomada plena dos Estúdios Disney (B) e uma nova “era dourada” de histórias em quadrinhos brasileiras?

Coleção Essencial Disney

disneyessencial01-abril-27012012
Fazia tempo que não lia algo da Disney, cujas revistas em quadrinhos adorava quando criança e adolescente. Deixei passar a recente coleção “Pateta faz História”, então resolvi apostar nesta nova iniciativa da Editora Abril. E não me arrependi, pelo contrário, curti muito os 3 primeiros volumes e pretendo comprar mais alguns.

Cada edição tem 100 páginas, impressos em um ótimo papel alto-alvura, bem superior ao das revistas comuns, mas no mesmo formatinho de sempre. As cores ficam muito melhores, mais “firmes”, e as capas também estão bonitas, com reserva de verniz. O design das capas e miolo ficou bacana, bem elegante.

Se você achar o preço salgado – R$ 10,00 cada – arrisque ao menos a primeira remessa, em que você leva duas revistas pelo preço de uma. Se gostar, talvez se anime a continuar colecionando ou, quem sabe, comprar somente os títulos que mais lhe interessarem. Algumas bancas e revistarias costumam manter em estoque durante um tempo vários números.

A ideia central da Abril foi compilar histórias selecionadas por “temas clássicos”, isto é, aqueles tópicos comumente associados a certos personagens. Exemplos: “Tio Patinhas e a Moeda Número Um”, “Michey versus Mancha Negra”, “Pateta e seus Antepassados” e assim por diante. Serão, no total, 20 edições semanais. Nos créditos editoriais, observa-se que esta nova coleção é baseada na “Série Oro”, publicada pela Editora El Mundo/Disney na Espanha em 2009.

O volume de estréia, “Tio Patinhas versus Maga Patalójika”, tem 4 histórias, assim como o volume #2, “Donald e Seus Sobrinhos”; o #3, “Os Problemas Domésticos do Pateta”, tem 5 histórias. A editora providenciou todos os créditos, citando inclusive quais já saíram no Brasil e em qual revista, além de uma introdução para cada tema. No geral, metade das histórias dos 3 primeiros volumes eram inéditas.

Realmente me diverti muito lendo estas revistas. Os roteiros são muito interessantes, bem desenvolvidos, e há situações engraçadíssimas. Pessoalmente gosto muito do estilo dos desenhistas italianos, que deixa o Pateta realmente “desengonçado”, e os patos tem movimentos mais vibrantes do que de outros estúdios, como os da Dinamarca. Os quadrinhos dos italianos tem um ritmo dinâmico e há um certo ar de deboche, mas não tanto quanto o dos brasileiros, nos bons tempos em que os Estúdios Disney da Abril eram prolíficos e fizeram a alegria de muita gente nos anos 80 e 90.

O Blog dos Quadrinhos criticou a seleção das histórias, que não seriam das mais clássicas. Realmente, talvez o título da série não seja o mais apropriado, porque o “Essencial” dá idéia de “Histórias indispensáveis”. Pode ser, embora a Abril já tenha lançado outras coleções recentemente com esse foco.

Eu não me incomodei porque as histórias são muito boas e a idéia do Essencial está vinculada aos temas que determinam o foco das histórias para cada edição e, também, porque só os personagens mais populares terão vez. E produções mais recentes como estas, quase todas dos anos 2000 e produzidas pelos estúdios italianos, tem a vantagem de abordarem temas mais contemporâneos como, por exemplo, o celular mágico que a Maga usa para hipnotizar o Patinhas e o Resort de praia do capitalista Patacôncio que não deixa os hóspedes em paz, tamanha a quantidade de atividades e mimos. Quem já foi, certamente vai se identificar com a situação.
Recomendo para fãs novos e antigos. Comprem ao menos os dois primeiros por R$ 10,00, com certeza valem a pena. Leiam e depois decidam se vale investir na coleção.